Quando a amizade prejudica o jornalismo

Parece que Reinaldo Azevedo, jornalista que gosta de palpitar sobre tudo e todos, não escreveu nem uma linha sobre a brincadeira machista de José Serra em Kátia Abreu em jantar de fim de ano na casa de Eunício Oliveira, líder do PMDB.

O ocorrido mereceu chamada de capa na Folha e no Globo. Mas não apareceu no blog de Reinaldo, amigo de Serra. Imaginem se fosse Lula o autor de tal brincadeira. Comportamento exemplar para alguém que adora criticar o jornalismo alheio.

Reinaldo poderia aprender um pouco, quem sabe, com seu Frias. Em seu Diários da Presidência, Fernando Henrique Cardoso relata um encontro que teve com o todo-poderoso da Folha em 11 de maio de 1995:

O curioso é que ontem o Frias pai [Octavio Frias de Oliveira] e os dois filhos vieram jantar aqui em casa. Conversa difícil, Frias está muito surdo, o Otavinho [Otavio Frias Filho] fica encabulado diante dele, da Ruth e de mim, o outro irmão [Luiz Frias], um pouco mais saído. O velho todo o tempo protestando um grande entusiasmo por mim, que fui o presidente dos seus sonhos, que agora é realidade, que ele está numa torcida danada, que o Brasil depende do meu êxito, enfim… Mencionei a reportagem do jornal, eles fingiram que não era nada, aquela conversa estranha da Folha. Pessoalmente o Frias é sempre muito gentil e muito entusiasmado, na prática, a Folha sempre fazendo as suas jogadas.

FHC achava que a Folha agira “de forma maldosa” na reportagem mencionada.

O importante aqui é que a Folha não pegou leve com FHC, o presidente dos sonhos de Frias.

Diferentemente do que faz Reinaldo com Serra, o presidente dos seus sonhos.


Exagero nas prisões da Lava Jato

Diz a última edição da Economist, em texto intitulado “Weird justice”, com a linha fina “The courts treat suspects too harshly, and convicts too leniently”:

Pre-trial detention should not be used to browbeat them into co-operating with investigations or to signal the gravity of the charges they face. The Lava Jato inquisitors deny they are doing this, but readers of Blackstone’s report will wonder. Timothy Otty, its lead author, has written human-rights opinions on behalf of Abdullah Ocalan, a Kurdish separatist leader, and detainees at the American prison in Guantánamo Bay. “Just as it was wrong to jettison the protection of liberty and right to fair trial as part of the war on terror, so it would be wrong in the fight against corruption,” says Mr Otty.

Blackstone é um escritório de advocacia em Londres contratado pela defesa do empresário Marcelo Odebrecht.

A revista ainda diz que os condenados, por outro lado, podem ficar em casa enquanto recorrem das sentenças impostas e cita o caso do jornalista Antonio Pimenta Neves, ex-diretor de redação do Estado de S. Paulo, que ficou anos em liberdade antes de ser preso, em 2011, pelo assassinato da ex-namorada Sandra Gomide, que ocorreu em 2000.

Não achei tradução desse texto no site do Estadão, que tem os direitos de publicação de conteúdo da Economist em português. Talvez o jornal discorde da revista.

A Folha, por outro lado, publicou dias antes um editorial com tom semelhante:

Há sinais muito claros, contudo, de que está em curso o fenômeno da hipercorreção no sistema judicial. Procurando sanar uma evidente distorção, responsáveis pelas investigações e sobretudo magistrados têm incorrido em outro erro de grandes proporções.

Muitos dos investigados têm sido mantidos atrás das grades sem que exista nada parecido com um julgamento definitivo. A opção pelo encarceramento provisório, no entanto, só deve ser evocada quando a aplicação de medidas alternativas –suspensão da função e tornozeleira eletrônica, por exemplo– se mostrar incabível. […]

No caso específico da Lava Jato, alegações vagas sobre a possibilidade de que os réus insistam na prática dos crimes ou interfiram nas investigações têm bastado para privá-los da liberdade. […]

Tais exageros não podem continuar.


As pedaladas de Michel Temer

Andreza Matais e João Villaverde, no Estadão:

O vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), assinou no exercício da Presidência, entre novembro de 2014 e julho de 2015, sete decretos que abriram crédito suplementar de R$ 10,807 bilhões mesmo num cenário de crise econômica e queda na arrecadação. A prática é a mesma adotada pela presidente Dilma Rousseff e que consta, agora, como um dos principais motivos para o pedido de impeachment aberto contra a petista na Câmara.

Jânio de Freitas, na Folha:

A responsabilidade é em tudo idêntica: também Michel Temer liberou verbas pela modalidade das ditas “pedaladas fiscais”, que os advogados Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaina Paschoal invocaram para a proposta de impeachment de Dilma –e, sem o saber, puseram o vice-presidente sob a mesma ameaça que quiseram criar para a presidente. Logo, se as tais “pedaladas” forem motivo para destituir Dilma, o mesmo destino estará aberto a Temer. E o presidente da Câmara será o seguinte, na hierarquia constitucional das sucessões, a receber a Presidência da República. […]

Vê-se que Temer, o decorativo, não o é na medida em que diz.


Renúncia defensável

Em agosto, eu disse:

Pensando no país (e não em partidos), parece difícil defender, com bons argumentos, a saída da presidente antes de 2018.

A situação é tão difícil que, hoje, a renúncia pode ser de fato defensável.

O impeachment é mais complicado.


Dados publicados na ‘Folha’ confundem o leitor (e o próprio jornalista)

Em artigo na Folha de S.Paulo, o jornalista Fernando Canzian apresenta dados de maneira aparentemente clara, mas que na verdade só servem para confundir o leitor.

O cientista político Sérgio Praça explica:

Na Folha de hoje, o jornalista Fernando Canzian confunde funções gratificadas (como coordenar uma pós em uma universidade federal – prerrogativa exclusiva de professor concursado) com cargos de confiança (para os quais qualquer cidadão pode ser contratado.) As contas de Canzian estão, portanto, completamente erradas.

Além disso, não há “caixa-preta” com relação a cargos de confiança na esfera federal. Há inabilidade para abrir o site do Ministério do Planejamento e fuçar o Boletim Estatístico de Pessoal e/ou o Portal da Transparência do Governo Federal.



‘FT’ e ‘NYT’: Dilma não deve sair

Editorial do Financial Times, com a linha fina “A presidente deve continuar no cargo, apesar dos apelos por impeachment”:

Mas ele [impeachment] deve acontecer? Além disso, faria alguma diferença se ocorresse? Dilma não foi acusada de corrupção. […]

Além disso, mesmo se Dilma for removida, provavelmente apenas veremos outro político medíocre tomar o seu lugar – e então tentar implementar a mesma estabilização econômica que ela está tentando fazer.

Editorial do New York Times:

Forçar Dilma a deixar o cargo sem qualquer evidência concreta de irregularidade causaria danos sérios a uma democracia que tem ganhado força há 30 anos, sem qualquer benefício para contrabalançar. E não há nada que sugira que qualquer um dos líderes de prontidão faria um trabalho melhor com a economia.


FHC e Serra fortalecem discurso pró-renúncia

Fernando Henrique Cardoso, no Facebook:

Se a própria Presidente não for capaz do gesto de grandeza (renúncia ou a voz franca de que errou, e sabe apontar os caminhos da recuperação nacional), assistiremos à desarticulação crescente do governo e do Congresso, a golpes de Lavajato.

José Serra, no Valor Econômico:

A renúncia é prerrogativa da Dilma. E, ao que tudo indica, pelo que ela tem reiterado numerosas vezes, não cogita de renunciar. Mas não tenho dúvida que a esmagadora maioria do país gostaria que ela renunciasse.

Pelo visto, FHC e Serra veem na renúncia de Dilma a melhor oportunidade para o PSDB se beneficiar da crise do governo.

Mas será que realmente acham que a renúncia seria boa para o Brasil? Pensando no país (e não em partidos), parece difícil defender, com bons argumentos, a saída da presidente antes de 2018.


Frei Betto e os aliás

Na entrevista de Frei Betto à Folha de S.Paulo, os melhores trechos não são sobre Dilma, mas sobre José Dirceu e religião, especialmente os “aliás”.

Se é verdade que ele tem tantos milhões na conta, eu não posso entender como é que ele promoveu a vaquinha. Aliás, tenho amigos que contribuíram com a vaquinha. Estão sumamente indignados. Eles se sentem lesados. […]

Bom, tem muito colégio religioso que é mera empresa escolar. Aliás, os políticos mais corruptos do Brasil saíram todos de colégios religiosos. É de se pensar: que diabo andaram fazendo, que evangelização era essa?


Redução de danos

O governo não teve tempo de preparar o mercado para a redução da meta de superavit primário, que passou de 1,1% para 0,15% do PIB. O esforço para diminuir os danos, pelo visto, inclui aumentar a exposição do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, na mídia.

Nas últimas semanas, ele foi entrevistado por Fernando Dantas, para a Agência Estado, e por Miriam Leitão, para seu programa na GloboNews. O ministro ainda escreveu um artigo para a Folha de S.Paulo.

De maneira comedida, Levy tenta transmitir certo otimismo e manda recados ao Congresso, mas sem atacá-lo explicitamente.