A morte dos celulares pequenos (ou RIP iPhone SE)

Em setembro de 2012, um anúncio da Apple mostrava o então recém-lançado iPhone 5, com tela de 4 polegadas e dimensões de 123,8 × 58,6 × 7,6 mm, sendo utilizado com apenas uma mão. Aquele tamanho, dizia o vídeo, não era coincidência, mas “bom senso”.

Hoje, seis anos depois, os menores modelos de iPhone à venda têm tela de 4,7 polegadas e medem 138,4 × 67,3 × 7,3 mm. O mais recente deles, o iPhone 8, foi lançado no ano passado – os deste ano são todos maiores. E a homepage do site da Apple diz: “Bem-vindo às telonas”.

O que aconteceu com o tal “bom senso”?

Ele começou a ser deixado de lado já em 2014, quando a Apple lançou não apenas um, mas dois aparelhos bem maiores que o iPhone 5: o iPhone 6 e o iPhone 6 Plus. E teve o seu fim decretado no último dia 12, com o fim das vendas do iPhone SE, o último com design externo semelhante ao do iPhone 5. O último celular bom e pequeno do mercado. O último celular com “bom senso”.

Como desgraça pouca é bobagem, os três novos modelos de iPhone anunciados na semana passada são todos gigantes: o iPhone XS, o iPhone XS Max e o iPhone XR. O primeiro, que é o menor deles, tem tela de 5,8 polegadas e mede 143,6 × 70,9 × 7,7 mm.

Assim, 12 de setembro de 2018 pode ficar marcado como o dia da morte dos celulares pequenos. Uma data triste para fãs de modelos compactos, pessoas com “bom senso” que há anos lamentavam a tendência de aparelhos cada vez maiores. O iPhone SE representava o nosso último bastião de resistência.

Por que celular pequeno?

Com o crescimento do tamanho dos celulares, há quem ache curiosa a preferência de algumas pessoas por aparelhos menores. Maior é melhor, tela normal é tela grande; por que, então, usar um modelo pequeno?

Antes de responder essa pergunta, esclareço: quando digo “pequenos”, quero dizer pequenos de verdade, com no máximo 130 mm de altura. Reforço esse ponto porque os celulares cresceram tanto que as referências ficaram completamente distorcidas – ao pesquisar modelos “pequenos” na web, deparo-me com listas que incluem o iPhone 8 e o Pixel 2, um absurdo.

Dito isso, vamos à resposta. A grande vantagem dos celulares pequenos é, obviamente, a portabilidade – devido ao seu tamanho e peso, é mais fácil guardá-los e carregá-los. Cabem facilmente no bolso e atrapalham menos a atividade física. É muito mais agradável correr sem um trambolho pulando com o corpo. Valorizo bastante esse ponto e, até para não aumentar o tamanho e o peso do aparelho, prefiro usá-lo sem capa protetora.

Também há os que valorizam a facilidade de usar o aparelho com apenas uma mão – como mostra o anúncio da Apple mencionado no início do texto.

Os compactos podem também ser mais discretos, embora agora chamem certa atenção por serem minoria em um mar de telas gigantes. E talvez incentivem menos o seu uso – ou seja, além de ocuparem menos espaço, eles tomariam menos tempo da sua vida.

Mas não é isso que a maioria das pessoas quer. Elas passam cada vez mais tempo com os olhos e os dedos no celular, principalmente em atividades que se beneficiam muito de telas maiores, como troca de mensagens e entretenimento com vídeos, games e redes sociais. Uma tela pequena pode ser frustrante para quem digita bastante e assiste a muitos vídeos.

Além disso, para muitos, o celular é o seu principal computador, e eles preferem fazer o máximo de coisas em uma única tela. Nesse caso, faz mesmo sentido ter um aparelho maior.

Acredito que donos de celulares pequenos prefiram dividir as tarefas em diferentes telas – o tablet para ler textos, a TV para assistir a vídeos, o e-reader para ler livros, o computador para coisas que envolvam digitação etc. Pelo menos esse é o meu caso. Evito ver vídeos no celular e, quando possível, uso o PC para responder as mensagens que recebo. Não tenho games nem aplicativos de redes sociais instalados. Um aparelho pequeno é ótimo para o meu uso.

Mas não basta ser pequeno. Tem que ser bom. E o único aparelho que juntava (e ainda junta, de alguma maneira) essas duas características era o iPhone SE.

iPhone SE

Uso o iPhone SE desde 2016, ano em que foi lançado. Com o consagrado design externo do iPhone 5 (provavelmente o último celular projetado sob supervisão de Steve Jobs) e componentes internos semelhantes ao do iPhone 6S (topo de linha na época do seu lançamento), ele era uma boa opção tanto para fãs de celulares pequenos quanto para consumidores que buscam aparelhos mais baratos (ou menos caros).

Apple iPhone SE

  • Sistema operacional: iOS 11.4.1 (originalmente iOS 9.3)
  • Tela: LCD, 4 polegadas, 1136 × 640 pixels (326 pixels por polegada)
  • Chip: Apple A9 (CPU Apple Twister, GPU Imagination Technologies PowerVR GT7600)
  • Armazenamento: 32 GB e 128 GB (originalmente 16 GB e 64 GB)
  • Memória: 2 GB
  • Câmera traseira: 12 megapixels, ƒ/2.2, 29 mm, vídeo até 2160p com 30 fps
  • Câmera frontal: 1,2 megapixel, ƒ/2.4, 31 mm, vídeo até 720p com 30 fps
  • Tamanho: 123,8 × 58,6 × 7,6 mm
  • Peso: 113 gramas

Lamento muito o seu fim. Minha experiência com ele tem sido muito positiva.

O hardware é excelente. O visual é bonito e marcante, uma evolução do histórico design apresentado no iPhone 4. O iPhone SE foi o último celular da Apple com um corpo realmente distinto e único antes do iPhone X – bem diferente dos modelos 6, 7 e 8, que de relance podem ser confundidos com aparelhos de outras marcas.

Mas ele não é só aparência. A construção é sólida, a câmera é muito boa. O processador, topo de linha na época do lançamento, ainda apresenta bom desempenho. O ponto negativo fica para a câmera frontal, que tem resolução muito baixa.

Para entusiastas de compactos, o iPhone SE era a única alternativa possível. Tanto é assim que decidi comprá-lo mesmo preferindo Android a iOS. Não havia e não há no mercado aparelhos bons e pequenos com o sistema do Google.

Foi uma escolha um pouco difícil, mas rápida.

Difícil porque gosto bastante do Android – usei-o na maioria dos meus celulares e até em alguns tablets. Porém, assim como a carência de bons tablets com Android me levou a comprar um iPad, a falta de bons celulares pequenos com o sistema do Google me levou ao iPhone SE.

A escolha foi rápida pela simples falta de alternativas.

O que eu buscava em 2016? Um aparelho pequeno e com hardware avançado, “high-end”. Que opções eu tinha além do iPhone? A que chegava mais perto do que eu procurava era o Xperia Z5 Compact, da Sony, mas ele não foi lançado no Brasil. De resto, os modelos pequenos tinham especificações muito básicas ou mesmo defasadas.

Era uma situação triste e irônica. Uma das grandes vantagens do Android é justamente a sua variedade de modelos, mas nenhum deles me satisfazia, e o aparelho que mais se aproximava das minhas exigências era feito pela Apple, empresa com fama de limitar as escolhas de seus usuários.

Hoje a situação piorou. A Sony voltou a vender a linha Compact no Brasil, mas o aparelho espichou – em termos de tamanho, o Xperia XZ2 Compact está mais próximo do iPhone 8 que do iPhone SE. E a Apple parou de vender este.

Baixa demanda

Por que existe essa carência de aparelhos bons e pequenos? A resposta mais óbvia é baixa demanda.

O consumidor gosta de telas grandes. Vale lembrar que, por um tempo, a Apple resistiu à tendência de celulares cada vez maiores, mas, aos poucos, ela cedeu e também aumentou o tamanho de seus principais modelos.

Claro, o tal “bom senso” era uma jogada de marketing da Apple, mas a empresa parecia realmente acreditar que um celular não devia ser muito grande. Em 2010, quando seu principal aparelho era o iPhone 4 (tela de 3,5 polegadas e dimensões de 115,2 × 58,6 × 9,3 mm), rivais como Samsung e Motorola já lançavam aparelhos maiores, e Steve Jobs criticou a ideia de fazer celulares grandes. Disse que não seria possível colocar a mão ao redor deles e que ninguém iria comprá-los. Chegou até a compará-los aos gigantescos veículos da Hummer.

Mas as pessoas queriam celulares grandes. Talvez muitos consumidores tenham começado a comprar aparelhos com Android exatamente por causa de suas telas maiores. A Apple, então, decidiu perder o “bom senso”.

Aos poucos, os compactos de todas as marcas foram sendo relegados a categorias inferiores, com hardware mais limitado e simples. Hoje a variedade de celulares pequenos é baixa mesmo entre os modelos mais básicos.

O interesse por aparelhos menores ainda existe, claro – não é difícil encontrar, em sites de tecnologia e comunidades como o Reddit, apelos por compactos com Android e elogios ao tamanho do iPhone SE. Mas parece ser restrito a um pequeno número de consumidores.

Fim do iPhone barato

A Apple não divulga os números de venda de cada modelo de celular, mas sabemos que, pelo menos no início, o sucesso do iPhone SE surpreendeu a própria empresa – o CEO, Tim Cook, admitiu que teve dificuldades para atender à demanda pelo aparelho, que foi além da prevista. Esse sucesso não foi grande o suficiente para convencer a Apple de que valia a pena manter no mercado um celular que, além de pequeno, era relativamente barato – nos EUA, a operadora AT&T tem vendido o iPhone SE por US$ 50 em plano pré-pago.

O baixo preço do iPhone SE também pode ter contribuído para o seu fim.

Alguns analistas viam o aparelho não tanto como uma opção para entusiastas de compactos, mas principalmente como uma alternativa mais barata, voltada a consumidores de menor renda – ou que não queriam gastar tanto com um celular.

Ben Thompson, que escreve o Stratechery, chegou a comparar a decisão da Apple em lançar o iPhone SE com a da Intel em lançar o chip Celeron, em 1998 – um produto mais barato, com margens menores de lucro e potencial para “canibalizar” os modelos mais rentáveis da marca, mas que permitiria à empresa continuar a crescer ao alcançar consumidores mais sensíveis ao preço.

A estratégia atual da Apple, porém, é crescer investindo em aparelhos mais caros, observa Thompson em seu texto mais recente. No ano passado, ela lançou o iPhone X, celular mais caro da sua história. O resultado? Um aumento do preço médio de venda (ASP, na sigla em inglês) de seus celulares e, consequentemente, da receita gerada por eles – mesmo sem grandes mudanças no número de unidades vendidas. Tanto o ASP quanto a receita dos celulares da Apple não cresciam desde 2015. A nova estratégia deu certo.

Dentro desse contexto, o fim do iPhone SE faz ainda mais sentido.

Futuro

Existe alguma esperança para os fãs do iPhone SE e de celulares pequenos em geral?

Muito pouca. Mas vejo pelo menos dois possíveis cenários para uma volta do iPhone SE: como um celular pequeno e caro ou como um celular grande e barato.

No primeiro caso, o iPhone SE seria basicamente uma versão reduzida do iPhone XS ou do iPhone XR. Ele teria uma tela ocupando quase toda a superfície do aparelho e tecnologias avançadas como o Face ID. Inevitavelmente, seu preço seria alto. Esse é o meu cenário favorito, mas parece ser também o mais improvável. De qualquer maneira, se a ideia da Apple é investir em aparelhos mais caros, então essa é a nossa esperança de um iPhone pequeno.

O segundo cenário não é tão impossível. Nele, o iPhone SE ocuparia o lugar do iPhone 7 e do iPhone 8 como o celular “barato” da Apple, assim como ocorreu em 2016, quando ele substituiu o iPhone 5S. O problema é que, nesse caso, o iPhone SE certamente usaria o mesmo corpo do iPhone 7 – ou seja, seria grande o suficiente para desagradar os entusiastas de celulares pequenos.

Assim, se tivesse que apostar na volta do iPhone SE, colocaria as minhas fichas em seu retorno como um celular grande e barato. Mas acredito que o mais provável mesmo é a Apple não o ressuscitar.

O iPhone 7 é, hoje, o sucessor espiritual do iPhone SE em relação ao preço. Infelizmente, a Apple não se interessou em fazer um sucessor em termos de tamanho.

Fãs de celulares compactos esperávamos que o lançamento do iPhone SE pudesse incentivar outras empresas a investir em aparelhos bons e pequenos. Não foi o que aconteceu. Durante toda a sua vida, o iPhone SE reinou sozinho entre os compactos. E poderia continuaria a reinar.

Mas esse parece ser um reino que não interessa mais a ninguém.


Uma versão editada deste texto foi publicada no UOL.

[Atualização – 21/12/2020] Novo texto: “Celulares pequenos: o retorno do rei


Daniel Gilbert: paternidade e felicidade

Daniel Gilbert é uma dessas grandes celebridades acadêmicas com milhões de leitores e espectadores. Professor de psicologia em Harvard, já lançou best-seller, publicou artigos na imprensa, apresentou programa de TV e fez palestras em conferências da TED.

Em 2006, por ocasião do Dia dos Pais (comemorado em junho nos EUA e em outros países), escreveu para a Time o artigo “Does Fatherhood Make You Happy?”. Resolvi traduzi-lo.

Clique aqui para ler o texto.

Feliz Dia dos Pais!


Melhores colunas de análise e opinião do Brasil

Publiquei hoje (6/4) a seleção Nota Bene de melhores colunas de análise e opinião do Brasil.

A seleção Nota Bene de melhores colunas de análise e opinião do Brasil é completamente subjetiva – resultado dos meus critérios de qualidade e preferências de leitura. A maioria delas aborda economia e política, mas há também nomes de esporte, educação e saúde, entre outros temas.

Faltam colunas de livros, música e cinema. Não é que eu ignore esses temas; é só que não tenho muito interesse em ler colunas sobre eles. Primeiro, por uma questão de prioridade – o tempo é escasso e prefiro dedicá-lo a outras coisas. Segundo, porque o meu consumo de tais produtos é concentrado em obras antigas – e a mídia, compreensivelmente, dá muito mais espaço ao que é novidade. Terceiro, porque simplesmente não conheço bons colunistas nessas áreas. Talvez eles existam – fique à vontade para me enviar sugestões.

A seleção inclui não apenas colunas em seu formato tradicional, mas também blogs. Um articulista que escreve coluna e blog não necessariamente terá os dois incluídos na lista – Juca Kfouri e Mauricio Stycer, por exemplo, aparecem apenas com as suas colunas.

Deixei as traduções em uma seção separada porque são textos originalmente publicados em veículos estrangeiros, como The New York Times e Financial Times. Na verdade, ainda não sei se vou mantê-las na lista.

Alguns dos critérios de qualidade são honestidade intelectual, conhecimento, constância e texto. Não basta ser inteligente – um bom colunista deve transmitir as suas ideias de uma maneira clara para o leitor, e isso é mais difícil do que parece.

Colunas de reportagem – como Mônica Bergamo, Ancelmo Gois e o “Painel” da Folha – não foram consideradas.

A seleção está em constante atualização. Críticas e sugestões podem ser enviadas por e-mail.

Clique aqui para conferir a lista.


Novo aplicativo da ‘Folha’: não dá para ler

O novo site da Folha, apesar de tantos problemas, é melhor do que a sua versão anterior. O mesmo não se pode dizer do aplicativo da edição impressa.

O jornal trocou de desenvolvedora, e a responsável pelo novo app é uma empresa chamada Maven. Por enquanto, as consequências dessa mudança são desastrosas. Basta ler os comentários no site da Folha e na App Store. É praticamente uma unanimidade – algo que, neste ambiente tão polarizado de hoje, é difícil de conseguir. Parabéns, Folha.

O pior problema chega a ser absurdo de tão ridículo: a baixa definição das páginas do jornal. Como é possível um app dedicado à leitura oferecer uma legibilidade tão baixa?

Para ter uma noção melhor do problema, veja estas capturas feitas com o iPad:

Continue a leitura


Novo site da ‘Folha’

Na semana passada a Folha estreou um novo site. Eis minhas primeiras impressões.

Prós

  • Melhora geral. Isso é o mais importante – o site, no geral, melhorou em relação à versão anterior.

  • Espaço em branco. O site “respira” melhor com o novo design, principalmente quando visualizado em desktop.

  • Acessibilidade. Louvável a preocupação do jornal com acessibilidade.

  • Fim do azul-bebê. A cor utilizada pelo jornal nos últimos anos não passava um ar de seriedade, e eu nunca vi uma justificativa razoável para a sua escolha. Cheguei a ouvir algo como “é a cor da moda, a cor do Twitter”. (Bom, se o objetivo é “estar na moda”, o novo azul da Folha está mais próximo do usado pelo Facebook – e também dos tons adotados por veículos como o Estadão, O Globo e El País. Não sei se isso é algo positivo, porém.)

  • Fim dos créditos excessivamente detalhados. Na edição impressa (que deve mudar em breve), a Folha ainda coloca, sob o nome do autor da matéria, descrições como “De Brasília”, “Enviado especial a Madri”, “Colaboração para a Folha”, “Especial para a Folha” etc. Acho que esses detalhes pouco interessam ao leitor comum – e, se fossem realmente importantes, deveriam ser explicados a ele. Qual é a diferença entre “Enviado especial a Paris”, “De Paris” e “Em Paris”? (Acredite, há diferença entre os dois últimos e, posso apostar, boa parte dos jornalistas da própria Folha não sabe explicá-la.) Como a Folha diferencia a “colaboração” do “especial”? Para piorar, há falta de paralelismo entre os termos. Por exemplo, “Enviado especial a Londres” indica que o repórter foi enviado a Londres; “Colaboração para a Folha” indica que a matéria foi feita em regime de colaboração (freelance, para ser mais específico). Na primeira, o termo refere-se ao repórter; na segunda, ao trabalho dele.

Contras

  • Erros. O site estreou cheio de falhas, com links quebrados, caracteres errados e outras falhas e imperfeições. Pareceu um lançamento precipitado e despreparado, com um deadline que chegou antes de o trabalho estar finalizado. “Vamos lançar o novo site no dia 1º de fevereiro, esteja pronto ou não!” Alguns erros ainda persistem.

  • Publicidade. Alguns anúncios são bizarros. A home exibe um banner gigantesco no desktop e um pop-up horrível no celular. Mas o maior absurdo são os anúncios da Outbrain, que aparecem colados às notícias recomendadas – e com um visual muito semelhante ao delas. Além de enganar o leitor mais desatento, eles têm chamadas sensacionalistas, com títulos caça-cliques pra lá de sacanas (“iPhone vendido por R$ 280”, “Bancos no Brasil estão preocupados que a Bitcoin oferece uma melhor forma de investimento”). E o destino dos links, claro, são páginas sem credibilidade alguma. É um contrassenso a Folha usar esse tipo de anúncio numa era em que tanto se fala sobre fake news. De alguma maneira, ela está ajudando sites que desinformam e merecem sumir do mapa.

  • Acessibilidade. Falta cuidado com detalhes. Se eu seleciono a versão escura (fundo cinza) na home e, depois, clico em uma notícia, a pagina desta é carregada na versão clara. E na versão escura, é impossível ler os títulos das notícias recomendadas.

  • Tipografia (fonte). A “tipografia […] tratada para usos em diferentes telas” funciona bem em celulares e tablets, que geralmente têm telas com alta densidade de pixels, mas deixa um pouco a desejar em monitores comuns, que têm baixa densidade e são os mais usados em computadores desktop. Vejam nesta imagem a comparação de duas capturas de tela realizadas em um monitor de 24 polegadas com resolução de 1920 × 1200 pixels.1 À esquerda, o texto com a fonte FolhaTexto; à direita, com Georgia.2 Ao menos para mim, a legibilidade do texto com Georgia é superior, principalmente devido ao contraste. O til na versão com FolhaTexto fica distorcido a ponto de parecer um macro.

  • Tipografia (outros). A Folha poderia aproveitar a reforma no site e aplicar nele o mesmo cuidado tipográfico da edição impressa em elementos como travessão e aspas. O primeiro deve ser exibido como travessão de fato, não como um, dois ou três hifens (ou qualquer outro sinal). As aspas devem ser curvas (“como estas”), não retas ("como estas").3

  • Padrão. Parece faltar consistência visual na exibição de algumas páginas. Vejam este exemplo. São oito cabeçalhos de colunas no site. Todas são colunas de análise e opinião, ou seja, em tese deveriam apresentar um padrão semelhante. Mas não é o que ocorre. Os três primeiros têm título com fonte FolhaII; os outros aparecem com fonte FolhaTexto. Há colunas com linha fina e chapéu, com linha fina e sem chapéu, sem linha fina e com chapéu e sem linha fina nem chapéu. O chapéu pode ter uma só palavra ou mais. E as palavras podem ou não incluir links para tags. Combinações para todos os gostos! É uma zona tão grande que há diferenças entre textos do mesmo autor (Clóvis Rossi) e até na cor do nome do colunista (Reinaldo Azevedo é o único em cinza). Também seria bom atenção na edição para evitar viúvas como esta.

  • Fotos. Parece ter faltado às fotos a atenção que o jornal deu à tipografia. Muitas imagens são exibidas com baixa resolução ou muitos artefatos de compressão – uma falta de consideração não apenas com o leitor, mas com o trabalho dos fotógrafos. O problema ocorre inclusive em galerias (que obviamente deveriam exibir as fotos da melhor maneira possível) e é mais grave em telas com alta densidade de pixels.

  • Tablets. O layout das páginas no iPad parece ter sido meio negligenciado, principalmente quando o tablet é usado na posição retrato (vertical). Como a tela do tablet é maior que a do celular e menor que a do computador, a solução da Folha foi, aparentemente, misturar características dos layouts destinados a estes dois. O resultado é inconsistente. O problema, pelo que vejo, ocorre basicamente na visualização de elementos que foram desenhados para celular. O logotipo do jornal e os banners de publicidade, por exemplo, aparecem espremidos, com tamanho ideal para celular (bem, no caso dos anúncios, isso pode até ser considerado um ponto positivo para o leitor, mas o layout fica estranho). Algumas chamadas para notícias são esticadas de maneira a ocupar toda a largura da tela, como ocorre no celular – mas, no tablet, elas ficam grandes demais e com fotos horríveis (com resolução muito baixa para o tamanho em que são exibidas).

  • Comentários. O nível dos comentários era e continuará a ser baixo, isso não tem jeito. Mas o design pode melhorar. Ao clicar no botão “Todos os comentários”, somos levados a uma página não responsiva, com legibilidade terrível no celular (bem, mesmo no desktop ela nunca foi boa, com linhas muito compridas). Outro problema que ocorre no celular é aquele botãozinho cinza com ícone de balão, abaixo do título da matéria e ao lado do botão de WhatsApp. Ele deveria levar o leitor à seção de comentários. Ao clicar nele, porém, os comentários não aparecem porque estão escondidos sob o “Continue lendo”.

  • Busca. O sistema de pesquisa do site apresenta pelo menos dois problemas. O primeiro é a busca de palavras com acento. Ao acessar a home, clicar na lupa e digitar “previdência”, o resultado é este (link). Nessa página de resultados, substituir “previdência” por “previdência” dá certo – o resultado é este (link). O segundo problema é que, ao fazer a busca no celular, a página de resultados é exibida na antiga versão para desktop, não na mobile.

  • Antigo site para dispositivos móveis. As páginas de comentários e resultados de busca têm um problema em comum: ambas são exibidas na antiga versão para desktop, mesmo quando acessadas pelo celular. É necessário melhorar a integração entre o site novo (responsivo) e o antigo (com versões separadas para desktop e mobile). Ao navegar pelo site novo e clicar em um link com destino ao site antigo, somos levados à versão desktop da página, mesmo quando o acesso é feito pelo celular. Em outras palavras, o velho site mobile foi jogado para escanteio. Posso dar outros exemplos além dos acima (comentários e busca). Ao acessar a página da edição impressa e selecionar uma data anterior a 1/2/2018, somos sempre levados à versão desktop, nunca à mobile. O mesmo ocorre quando acessamos a página de um colunista e selecionamos um artigo.

  • Página de opinião. Nela, a maioria das chamadas tem apenas o chapéu “Opinião” e o título do texto. O ideal seria ver também o nome do autor do artigo (talvez no próprio chapéu).

  • HTTPS. O acesso ao site ainda não é feito com HTTPS. Demorou, Folha.

Apesar de o volume de texto dos contras ser maior que o dos prós, ressalto que, de uma maneira geral, gostei da atualização do site. Boa parte dos problemas que menciono nos contras já existia desde antes da reforma – ou seja, não apareceram com a nova versão (mas não foram corrigidos nela).


  1.  Densidade de 94 PPI (pixels por polegada). O MacBook Pro de 13 polegadas tem 227 PPI. O iPhone X tem 463 PPI; o iPhone 8, 326 PPI; o Galaxy S8, 568 PPI. (Fonte: DPI Calculator / PPI Calculator.)

  2.  A fonte Georgia foi desenhada em 1993 por Matthew Carter especialmente para o uso em telas de baixa resolução.

  3.  Robert Bringhurst, em The Elements of Typographic Style, sobre as “dumb quotes” (“aspas falsas”, na edição brasileira): “These are refugees from the typewriter keyboard. […] They have no typographic function.”


Ha-Joon Chang sobre o Brasil

Ha-Joon Chang, economista da Universidade de Cambridge, deu entrevista a El País. Alguns comentários:

Hoje, quando olhamos para os países ricos, em sua maioria, eles praticam o livre comércio. Por isso, é comum pensarmos que foi com esta receita que eles se desenvolveram. Mas, na realidade, eles se tornaram ricos usando o protecionismo e as empresas estatais. Foi só quando eles enriqueceram é que adotaram o livre comércio para si e também como uma imposição a outros Estados. […]

O que é incrível é que essa política [de austeridade] vem sendo usada várias vezes, como no Brasil nas décadas de 1980 e 1990, e nunca funcionou. Albert Einstein falava que a definição de loucura é fazer a mesma coisa várias vezes e esperar resultados diferentes.

O discurso de Chang dá a entender que o Brasil tenta enriquecer com políticas de livre comércio e austeridade – e esse seria o caminho errado. Mas o que o Brasil tenta fazer há décadas é justamente crescer “usando o protecionismo e as empresas estatais”. Sem austeridade. E não deu certo.

A citação a Einstein é muito irônica. O que o Brasil fez várias vezes, esperando resultados diferentes? Protecionismo. (E não há confirmação de que Einstein tenha dito tal frase.)

Ao contrário de outros países em desenvolvido [sic], o Brasil tem a habilidade de fazer as coisas acontecerem por meio da intervenção governamental. A Embraer, por exemplo, é uma empresa de economia mista. […]

A Embraer não é uma empresa de economia mista. (Talvez isso tenha sido um erro de tradução. Ou não.) E cresceu de fato apenas após ser privatizada.

O Governo de Dilma canalizou vários subsídios em alguns setores em particular. Mas isso só foi necessário por conta da política de alta taxa de juros, uma vez que as companhias brasileiras não conseguem competir no mercado global de outra forma. Não sei todos os detalhes. Mas sei que houve erros, corrupção. As metas governamentais também foram determinadas de forma equivocada… sempre privilegiando a estabilidade macroeconômica. Já o declínio da indústria não foi considerado um problema. Focou em ações como Bolsa Família, mas sem prestar atenção em dar um upgrade na economia. […]

Avaliação pra lá de estranha e confusa sobre o governo Dilma. De qualquer maneira, vale lembrar o que disse Chang em 2013:

O rumo da política econômica brasileira está no caminho certo e é normal que a combinação de juros mais baixos e câmbio mais desvalorizado leve algum tempo para produzir um ritmo de crescimento mais forte, disseram ontem o professor sul-coreano Ha-Joon Chang, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira. Para os dois economistas desenvolvimentistas, os juros e o câmbio estão hoje num nível mais favorável à indústria manufatureira, um segmento que os dois veem como fundamental para o desenvolvimento do país. […]

O professor de Cambridge também vê com bons olhos as medidas adotadas pelo governo Dilma Rousseff para estimular a indústria.


‘Journal of Political Economy’, 125 anos

Criado em 1892, o prestigioso Journal of Political Economy, publicado pela University of Chicago Press, completou 125 anos em 2017. A última edição do ano inclui uma coleção de ensaios comemorativa, intitulada “The Past, Present, and Future of Economics: A Celebration of the 125-Year Anniversary of the JPE and of Chicago Economics”.

A introdução é de John List, chairperson do departamento de economia da Universidade de Chicago, e Harald Uhlig, head editor do JPE.

We invited our senior colleagues at the department and several at Booth to contribute to this collection of essays. We asked them to contribute around 5 pages of final printed pages plus references, providing their own and possibly unique perspective on the various fields that we cover.

There was not much in terms of instructions. On purpose, this special section is intended as a kaleidoscope, as a colorful assembly of views and perspectives, with the authors each bringing their own perspective and personality to bear. Each was given a topic according to his or her specialty as a starting point, though quite a few chose to deviate from that, and that was welcome. […]

We asked that their contribution be about what the field has accomplished or about where the field might or should be going in the future. It is probably the nature of the beast that all chose a largely backward-looking perspective, providing an overview of how the field has developed over time and how the JPE helped this process along by publishing some of the key ideas and key contributions. But hop on board and start reading!

Lars Peter Hansen, Eugene Fama, Richard Thaler, Luigi Zingales, Robert Lucas, James Heckman e Steven Levitt são alguns dos autores que toparam participar da edição especial. Um timaço.

O acesso à coleção de ensaios é gratuito.


Tyler Cowen sobre a ‘Bloomberg View’

Post interessante de Tyler Cowen sobre a Bloomberg View:

One of the most striking features of BV, from my personal point of view, is how many of the writers I was actively reading and following before they started with BV. […]

One day I woke up and realized these people write for Bloomberg View, or that people like them were going to, and then it occurred to me that maybe I should too. And there are still Bloomberg View writers I haven’t really discovered yet. (By the way, one reason all these people are so good is because of the consistently excellent editors.)

What is the common element behind all of these writers? I would say that Bloomberg View tends to hire reading-loving, eclectic polymaths, with both academic knowledge and real world experience, and whose views cannot always be predicted from their other, previous writings.

Over the last year, I think I would nominate Ross Douthat as The Best Columnist. But overall I think Bloomberg View has assembled the most talented and diverse group of opinion contributors out there, bar none.

On top of all that, BV is perhaps the least gated major opinion website.

A lista de colunistas da Bloomberg View é realmente admirável. Talvez seja até possível dizer que, dentro de um certo escopo, a Bloomberg View sozinha é melhor do que o Brasil inteiro (todos os veículos somados) em matéria de opinião.


Guia metodologicamente incorreto

Apenas recentemente tomei conhecimento da polêmica envolvendo a série Guia Politicamente Incorreto, do canal History.

RIO – Historiadores e escritores acusaram o canal History de incluir, sem o seu consentimento, trechos de entrevistas feitas com eles para o programa “Guia politicamente incorreto da História do Brasil”, cujo primeiro episódio foi ao ar neste sábado.

Lira Neto, Lilia Schwarcz e Laurentino Gomes afirmam ter sido entrevistados por uma produtora contratada pelo canal sem serem informados de que as declarações seriam utilizadas no programa em questão.

Lira Neto foi um dos que mais reclamaram publicamente sobre o ocorrido e chegou a abordar o assunto em sua coluna na Folha:

Estupefato, na semana passada, fiquei sabendo que minha fala seria incluída, de modo ardiloso, em uma série intitulada “Guia Politicamente Incorreto”, baseada nos livros do jornalista Leandro Narloch. Se tivesse sido informado disso previamente, não teria concedido a entrevista.

Considero tais livros um desserviço ao público jovem, alvo prioritário deles. São simplórios na argumentação, falaciosos na utilização das fontes, pródigos em promover estereótipos e sedimentar preconceitos contra minorias historicamente marginalizadas.

Imediatamente, tratei de exigir explicações dos responsáveis. Após apelar para o cinismo e tentar dizer que tudo não passara de um “mal-entendido”, o diretor foi desmascarado pelos fatos. Outros entrevistados, como as historiadoras Lilia Schwarcz, Isabel Lustosa e Mary Del Priore, assim como o jornalista Laurentino Gomes, revelaram que tinham sido vítimas da mesma armadilha. […]

O próprio Narloch sentiu-se compelido a vir a público, pelas redes sociais, para dizer que estava “frustrado” com a história. Afirmou não saber que havíamos sido enganados. Concordava com o pedido dos atingidos para que fossem retiradas as respectivas entrevistas do programa. Contudo, alegou, tudo havia sido feito em nome de promover “um debate elegante sobre temas delicados”.

Quem assistiu aos primeiros episódios constatou que não há elegância ou debate naquilo. A presença e o nome de pesquisadores sérios estão sendo utilizados, na edição, apenas para legitimar e corroborar uma narrativa tendenciosa, “politicamente incorreta”. Por si só, a palavra “guia”, do título, não deixa margem para dúvidas: sugere condução, viés, predefinição de rumo.

Reinaldo José Lopes, que já trabalhou com Leandro Narloch (autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil) e foi entrevistado para a série, falou sobre a polêmica em seu blog e em sua coluna (o trecho abaixo é retirado desta):

O problema central da série é que, embora a proposta declarada seja desmontar clichês e visões ideologicamente motivadas de figuras da nossa história, o que de fato ocorre é substituir um clichê por outro. […]

Como talvez o leitor saiba, dá para contar uma mentira imensa contando apenas verdades –ou pedacinhos dessas verdades.

Gostei especialmente dos textos de Lira Neto e José Lopes porque eles incluem boas críticas ao livro de Narloch e à série nele baseada.

O grande problema desse tipo de obra não são suas conclusões em si, mas a metodologia adotada para chegar a elas. O fato de a tese ser “politicamente incorreta” ou “politicamente correta” é o de menos. O importante é a qualidade da pesquisa – que, nesse tipo de trabalho, costuma ser muito baixa.

Não me refiro a livros de história escritos por não historiadores – afinal, não é necessário ser historiador para escrever bons livros de história. Minha crítica é direcionada a certas obras de não ficção simplistas e sensacionalistas, com título provocativo (e geralmente meio bobo). Uma estratégia comum de seus autores é defender teses polêmicas usando argumentação fraca, baseada em evidências ou interpretações de pouca relevância.

E Narloch “adora uma evidência anedótica – ou seja, ‘causos’, histórias individuais sobre uma situação específica”, diz José Lopes, antes de completar: “Causos são legais, mas quando a gente está falando de história, é preciso deixar muito claro se eles são representativos ou não.”

Para piorar, quando autores dessas obras são alvo de críticas, eles frequentemente tentam desqualificá-las sem rebater seus argumentos, como neste trecho:

A respeito das críticas de Lira Neto, Narloch afirmou à Folha que as considera personalistas e motivadas mais por divergência política do que pelas informações da série ou do livro.

Respostas assim deveriam deixar claro que o criticado se considera incapaz de responder devidamente aos argumentos da crítica. Infelizmente, não é isso o que ocorre.

Como já nos mostrou Paulo Maluf (entre tantos outros políticos), responder a uma crítica sem rebater seus argumentos é uma tática de retórica que funciona bem. E os fãs de autores como Narloch são mais uma amostra disso.


Para finalizar, um comentário sobre a cobertura da mídia. Uma leitura rápida das matérias sobre o caso pode dar a impressão de que se tratou de mais uma batalha em uma eterna guerra entre historiadores e jornalistas ou algo assim. Títulos usados pelos veículos contribuem para isso.

Mas, como é evidente, as reclamações não vieram apenas de historiadores. Lira Neto, Laurentino Gomes e Reinaldo José Lopes, entre outros, não são historiadores – e nem dizem ser; quem comete esse erro é a mídia.


Ricardo Coimbra:

"Startup Wars V", Ricardo Coimbra


Sebastián Piñera, economista

Sebastián Piñera, recém-eleito para a presidência do Chile (cargo que já ocupou de 2010 a 2014), é PhD em economia por Harvard. Publicou artigos no Journal of Economic History, no Journal of Development Economics e no Quarterly Journal of Economics, periódicos de primeira linha.

(Curiosidade: o Google Scholar gera resultados diferentes em pesquisas por “Sebastian Pinera” e “ Sebastián Piñera”.)