A imprensa e a origem do coronavírus

Mídia errou ao promover falso consenso científico contra possível escape laboratorial

O coronavírus causador da Covid-19 veio de um animal ou de um laboratório? Esse foi um dos debates científicos mais acalorados de 2021. Pesquisadores ainda procuram uma resposta para essa questão, mas, durante um bom tempo, a imprensa tratou-a como encerrada, promovendo um consenso que não existia.

Até meados do ano, muitos jornais levavam a sério apenas uma explicação para a origem do vírus: ele teria sido transmitido por um animal. Outras hipóteses eram chamadas de teorias da conspiração ou “história fantasiosa”, como escreveu a agência de checagem Lupa. Um texto do Globo afirmou que “o vírus não foi criado em laboratório” e que a tese do escape laboratorial interessa “a quem não quer controle sobre o desmatamento, sobre o tráfico de animais, sobre a caça” (?).

Depois, o discurso mudou. A Folha, por exemplo, cobriu o assunto com sobriedade em reportagens, colunas e editorial. O Fantástico, da TV Globo, ouviu vários pesquisadores que não descartam a hipótese do escape laboratorial. Em outros países – principalmente nos Estados Unidos – a reviravolta foi ainda maior.

Por que a imprensa errou tanto antes?

Para começar, faltou o velho e bom ceticismo. Muitas reportagens usaram como referência o estudo “The proximal origin of SARS-CoV-2”, de Kristian G. Andersen et al., publicado na Nature Medicine em março do ano passado,1 que dizia mostrar “claramente que o SARS-CoV-2 não é uma construção de laboratório ou um vírus propositalmente manipulado”.

Veículos limitaram-se a propagandear o artigo, e alguns foram até mais longe. “Estudo desmente teoria conspiratória”, disse o Estadão em um texto de checagem de fatos. “Os boatos de que o vírus foi manipulado pela China não passam de uma mentira. E a ciência prova”, publicou a Superinteressante.

Uma leitura atenta evitaria essas conclusões equivocadas. Diz o estudo (grifos meus):

In theory, it is possible that SARS-CoV-2 acquired RBD mutations […] during adaptation to passage in cell culture, as has been observed in studies of SARS-CoV.

[…]

Although the evidence shows that SARS-CoV-2 is not a purposefully manipulated virus, it is currently impossible to prove or disprove the other theories of its origin described here. However, since we observed all notable SARS-CoV-2 features, including the optimized RBD and polybasic cleavage site, in related coronaviruses in nature, we do not believe that any type of laboratory-based scenario is plausible.

More scientific data could swing the balance of evidence to favor one hypothesis over another.

Apesar da forte crença dos autores na origem natural do vírus, eles não descartavam a possibilidade de ele ter saído de um laboratório. (Essa posição foi posteriormente confirmada por Andersen.)

Dois meses depois, na Immunity, Rachel L. Graham e Ralph S. Baric (este, um dos mais conhecidos pesquisadores de coronavírus) elogiaram o trabalho de Andersen et al., mas advertiram: “Transparência e investigação científica aberta serão essenciais para resolver esta discussão, observando que atualmente a evidência forense de escape natural é deficiente, e outras explicações permanecem razoáveis”.

Pelo visto, os jornalistas discordavam.

Outro problema foi a ânsia de mostrar que Donald Trump e seus seguidores estavam errados, como neste texto creditado à Reuters e publicado na Folha:

O presidente Donald Trump se referiu ao patógeno por diversas vezes como “vírus chinês” e o governo americano ajudou a divulgar uma teoria conspiratória —já desmentida por estudos científicos independentes— segundo a qual o coronavírus teria “escapado” de um laboratório de biossegurança em Wuhan.

Há diversas hipóteses sobre a origem laboratorial, e algumas de fato soam conspiratórias – por exemplo, a ideia de que o vírus seria uma arma biológica. Outras, como um vazamento acidental, são mais razoáveis – talvez menos prováveis que as hipóteses de origem animal, mas longe de serem impossíveis. Toda essa nuance se perdeu na mídia, contaminada pelas declarações de Trump.

Até por isso, nos EUA a coisa foi bem pior. Veículos como o Washington Post e o site Vox reconheceram erros e reescreveram textos. O Facebook e o Instagram censuraram publicações de usuários. A agência PolitiFact anulou um de seus artigos de checagem de fatos.

Nesse ambiente, cientistas que não descartavam a hipótese da origem laboratorial sentiram-se pressionados a evitar o assunto. Quem ousava dizer que o escape laboratorial era plausível colocava a sua imagem e a sua carreira em risco.

Ainda hoje, muitos preferem não se manifestar sobre esse e outros assuntos polêmicos, principalmente quando sua posição difere da adotada pela imprensa. Mesmo opiniões cuidadosas e nuançadas tendem a ser evitadas, pois são facilmente distorcidas ou mal compreendidas pela mídia e pelo público.

Isso complica ainda mais o trabalho dos jornais, que muitas vezes se guiam por manifestações públicas – principalmente em redes sociais – para descobrir o “consenso” entre especialistas. O resultado pode ser desastroso: o anúncio de um falso consenso, que existe apenas entre personalidades conhecidas por jornalistas. Algumas chegam a ganhar status de autoridade na mídia – suas opiniões viram a “voz da ciência”, e os que delas discordam são estigmatizados.

Disse Jonathan Chait na New York:

But Twitter is the milieu in which the opinions of elite reporters take shape. And very often it is a petri dish of tribalism and confirmation bias. This dynamic is why conservative media is virtually devoid of serious journalism and overrun with propaganda. The idiotic conformity of the right’s pseudo-journalistic apparatus should inspire horror, not complacency or (worse still) envy. If progressive and mainstream media wish to avoid following this path, the lab-leak fiasco should be a case study.

Para evitar essa armadilha, os jornalistas devem fazer mais do básico: apurar bem. Isso inclui buscar também especialistas fora das redes sociais.2 O Twitter não representa a diversidade da comunidade científica. Redes sociais e academia funcionam de maneira distinta, com diferentes incentivos (até por isso, muitas pessoas com bastante audiência nas primeiras não têm muita relevância na segunda).3

A imprensa passou a aceitar a hipótese do escape laboratorial só depois da saída de Trump da presidência, da publicação de textos de autores e cientistas de renome e de uma declaração do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde.4 Não precisaria ter esperado tudo isso se tivesse trabalhado com esmero desde o começo. A velha desculpa de que “a evidência mudou” não cabe nesse caso – nunca houve evidência forte o suficiente para decretar a origem natural como comprovada.

Exageros a favor do outro lado também são possíveis, até porque a hipótese da origem laboratorial contém detalhes muito palatáveis à narrativa jornalística – como mostram, por exemplo, as fascinantes reportagens do Wall Street Journal, da Newsweek e da Vanity Fair sobre o tema.

É difícil encontrar o equilíbrio.

Não se trata de cobrar tratamento igual a diferentes hipóteses – o que poderia resultar em uma falsa equivalência –, mas tratamento mais preciso, que represente bem o que a ciência tem a dizer. Não raro, isso inclui diferentes hipóteses com diferentes probabilidades – e, nesses casos, a imprensa deve mostrar que a hipótese mais provável não é a única possível ou correta, e que as menos prováveis não são necessariamente impossíveis ou falsas.

É necessário aprender a lidar com a incerteza. Angie Drobnic Holan, editora-chefe da PolitiFact, escreveu:

We [journalists, doctors, scientists, and fact-checkers] all face the temptation to write and speak with authority, even when we know in our hearts that our knowledge is human and therefore limited. Using words that say this is the best we know now, and that circumstances may change, is one of the most powerful ways of conveying this.

Journalists and fact-checkers have professional obligations to be as honest with the public as possible, but we do the public a disservice when we give them the feeling that we have all the answers.

It is not in our nature to appreciate uncertainty. It makes most of us queasy and uncomfortable. But it’s clearly part of the learning process, and it’s something we really can’t avoid. Of all the lessons we’ve learned from COVID-19, getting comfortable with the uncertainty is one of the healthiest responses.

Além de desinformar, coberturas desastradas como a aqui discutida aumentam a desconfiança do público e fazem a festa dos reais propagadores de teorias conspiratórias. “Quem garante que, agora, o que a imprensa chama de mentira é mesmo mentira?”

Infelizmente, talvez aos leitores reste mesmo desconfiar, especialmente de reportagens que transmitem uma ideia de certeza – com alusões a supostos consensos e a estudos que “provam” algo – ou que incluem citações em uníssono dos mesmos especialistas de sempre, populares nas redes sociais.

Cabe dizer ainda que uma eventual confirmação da origem natural do vírus não atenuaria os erros aqui descritos. O mesmo vale, por exemplo, para a reportagem da Folha sobre os dados de vacinas vencidas – a confirmação de que algumas delas realmente estavam vencidas não repara o erro do jornal.

Um trabalho cuidadoso beneficiaria a todos. A imprensa não continuaria a perder tanta credibilidade. A comunidade científica teria um ambiente mais saudável para debates. E a sociedade seria mais bem servida por ambas.


  1.   O estudo foi publicado na seção “Correspondence” da revista.

  2.   Em “A imprensa e a hidroxicloroquina“, citei Nicholas White, grande pesquisador e conhecedor da droga. Muitos jornalistas e “divulgadores científicos” o desconheciam. Ele não tem perfil no Twitter.

  3.   Além de Jonathan Chait, comentaristas como Zeynep Tufekci e Matthew Yglesias abordaram bem a relação entre a imprensa e o Twitter.

  4.   Destaque para os textos de Nicholas Wade (“Origin of Covid — Following the Clues“) e Donald G. McNeil Jr. (“How I Learned to Stop Worrying And Love the Lab-Leak Theory“) em maio no Medium e o de Nicholson Baker (“The Lab-Leak Hypothesis“) em janeiro na New York. Eli Vieira traduziu o artigo de Wade na Gazeta do Povo.


Referências

Veículos jornalísticos

  1. Agence France-Presse. “Em resposta aos EUA, laboratório de Wuhan nega ser fonte de novo coronavírus”. Folha de S.Paulo, 19 de abril de 2020.

  2. Agencia EFE. “OMS desmente teoria da conspiração de que o coronavírus saiu de laboratório”. O Estado de S. Paulo, 21 de abril de 2020.

  3. Para um terço dos americanos, coronavírus foi criado em laboratório, diz pesquisa”. O Globo, 14 de abril de 2020.

  4. Maurício Moraes. “Na web, teorias da conspiração apontam China e EUA como criadores da Covid-19”. Agência Lupa, 4 de agosto de 2020.

  5. Ana Lucia Azevedo. “Natural ou vazado de um laboratório: entenda a polêmica científica sobre a origem da Covid-19”. O Globo, 29 de maio de 2021.

  6. Ana Bottallo, Everton Lopes Batista. “Lacuna sobre origem do coronavírus preocupa mas pode demorar para ser preenchida”. Folha de S.Paulo, 12 de junho de 2021.

  7. Reinaldo José Lopes. “Origem do coronavírus em laboratório não pode ser descartada, mas fonte natural é mais provável”. Folha de S.Paulo, 29 de maio de 2021.

  8. A origem do vírus”. Editorial. Folha de S.Paulo, 31 de maio de 2021.

  9. Álvaro Pereira Júnior. “Cientistas investigam hipóteses sobre a origem do coronavírus; entenda”. Fantástico, 6 de junho de 2021.

  10. Álvaro Pereira Júnior. “Polêmica sobre origem da Covid esquenta após imagens de morcegos no que seria laboratório de Wuhan”. Fantástico, 20 de junho de 2021.

  11. Ana Carolina Amaral. “Coronavírus tem origem natural e não foi feito em laboratório, mostra estudo”. Folha de S.Paulo, 18 de março de 2020.

  12. Alessandra Monnerat. “Coronavírus: estudo desmente teoria conspiratória sobre criação em laboratório da China”. O Estado de S. Paulo, 19 de março de 2020.

  13. Carolina Fioratti. “Sim, o coronavírus veio da natureza – e não de um laboratório”. Superinteressante, 19 de março de 2020.

  14. James Gorman, Carl Zimmer. “Scientist Opens Up About His Early Email to Fauci on Virus Origins”. The New York Times, 14 de junho de 2021.

  15. Marcelo Leite. “Ninguém provou que Trump e Bolsonaro erraram origem do Sars-CoV-2”. Folha de S.Paulo, 8 de maio de 2021.

  16. Marcelo Coelho. “Biden e a Madame Morcego reavivam o que seriam fake news da origem da Covid”. Folha de S.Paulo, 1º de junho de 2021.

  17. Reuters. “China prende jornalista australiana sem divulgar acusação formal”. Folha de S.Paulo, 1º de setembro de 2020.

  18. Paulina Firozi. “Tom Cotton keeps repeating a coronavirus fringe theory that scientists have disputed”. The Washington Post, 17 de fevereiro de 2020.

  19. Eliza Barclay. “The conspiracy theories about the origins of the coronavirus, debunked”. Vox, 4 de março de 2020.

  20. Daniel Funke. “Tucker Carlson guest airs debunked conspiracy theory that COVID-19 was created in a lab”. PolitiFact, 16 de setembro de 2020.

  21. Carl Zimmer, James Gorman, Benjamin Mueller. “Scientists Don’t Want to Ignore the ‘Lab Leak’ Theory, Despite No New Evidence”. The New York Times, 27 de maio de 2021.

  22. Jonathan Chait. “How Twitter Cultivated the Media’s Lab-Leak Fiasco”. New York, 26 de maio de 2021.

  23. Jeremy Page, Betsy McKay, Drew Hinshaw. “The Wuhan Lab Leak Question: A Disused Chinese Mine Takes Center Stage”. The Wall Street Journal, 24 de maio de 2021.

  24. Rowan Jacobsen. “Exclusive: How Amateur Sleuths Broke the Wuhan Lab Story and Embarrassed the Media”. Newsweek, 2 de junho de 2021.

  25. Katherine Eban. “The Lab-Leak Theory: Inside the Fight to Uncover COVID-19’s Origins”. Vanity Fair, 3 de junho de 2021.

  26. Angie Drobnic Holan. “Can scientific uncertainties about COVID-19 be fact-checked?”. Poynter, 28 de maio de 2021.

  27. Estêvão Gamba, Sabine Righetti. “Milhares no Brasil tomaram vacina vencida contra Covid; veja se você é um deles”. Folha de S.Paulo, 2 de julho de 2021.

  28. Nicholson Baker. “The Lab-Leak Hypothesis”. New York, 4 de janeiro de 2021.

Periódicos acadêmicos

  1. Michael Worobey. “Dissecting the early COVID-19 cases in Wuhan”. Science, 18 de novembro de 2021.

  2. Kristian G. Andersen et al. “The proximal origin of SARS-CoV-2”. Nature Medicine, 17 de março de 2020.

  3. Rachel L. Graham, Ralph S. Baric. “SARS-CoV-2: Combating Coronavirus Emergence”. Immunity, 8 de maio de 2020.

  4. Edward C. Holmes et al. “The origins of SARS-CoV-2: A critical review”. Cell, 18 de agosto de 2021.

  5. Jesse D. Bloom et al. “Investigate the origins of COVID-19”. Science, 14 de maio de 2021.

Outros

  1. A imprensa e a hidroxicloroquina”. Nota Bene, 29 de dezembro de 2020.

  2. Guy Rosen. “An Update on Our Work to Keep People Informed and Limit Misinformation About COVID-19”. Facebook, 16 de abril de 2020.

  3. WHO calls for further studies, data on origin of SARS-CoV-2 virus, reiterates that all hypotheses remain open”. World Health Organization, 30 de março de 2021.

  4. A miséria da crítica jornalística”. Nota Bene, 17 de fevereiro de 2021.

  5. Zeynep Tufekci. “How the Twitter/Media Feedback Loop Can Work to Undermine Our Understanding”. Insight, 27 de maio de 2021.

  6. Matthew Yglesias. “The media’s lab leak fiasco”. Slow Boring, 26 de maio de 2021.

  7. Nicholas Wade. “Origin of Covid — Following the Clues”. Medium, 2 de maio de 2021.

  8. Donald G. McNeil Jr. “How I Learned to Stop Worrying And Love the Lab-Leak Theory”. Medium, 17 de maio de 2021.


E se ajudarmos os sommeliers de vacina?

Puni-los com o fim da fila prejudica também a sociedade; é melhor deixá-los agir ou talvez até ajudá-los

Cidades brasileiras têm adotado medidas contra os chamados “sommeliers de vacina” – quem escolhe ou rejeita imunizantes de laboratórios específicos. Tais ações podem ser danosas para a sociedade. Deixá-los agir ou até mesmo ajudá-los pode ser melhor do que puni-los.

O castigo mais comum é o envio ao fim da fila: a pessoa que se recusa a receber a vacina oferecida no posto precisa aguardar semanas ou meses até ter uma nova oportunidade de se vacinar – e nada garante que ela conseguirá o imunizante desejado.

A ideia é incentivar a população a aceitar a vacina disponível, independentemente da marca. Espera-se que as pessoas prefiram isso a continuar sem vacina por mais tempo.

Mas essas medidas parecem menosprezar o impacto dos que preferem a punição – os sommeliers mais convictos, com forte preferência ou rejeição à vacina de um determinado laboratório. Ao irem para o fim da fila, eles prejudicam não apenas a si próprios, mas toda a sociedade, que fica com um número maior de pessoas não vacinadas por um período mais longo. É o que tem ocorrido em algumas cidades – em São Paulo, já são mais de 2 mil.

Em comparação, os sommeliers em lugares sem punição buscam incessantemente a marca desejada e logo se vacinam – se não no mesmo dia, provavelmente na mesma semana. Sim, até encontrar o imunizante, eles podem atrapalhar – ocupam lugar em filas, tomam o tempo de profissionais nos postos etc. –, mas menos do que os punidos com o fim da fila, que circulam não vacinados por muito mais tempo.

Se a prioridade é vacinar o maior número de pessoas no período mais curto possível, as medidas contra os sommeliers não ajudam – pelo contrário, podem ser danosas para a sociedade. Políticas de saúde não devem ser guiadas por populismo punitivista (que já faz um grande estrago na segurança pública).

O que fazer, então? Talvez o melhor seja simplesmente nada – deixar os sommeliers agirem. Afinal, não há evidência de que eles estejam causando muitos problemas.

Outra ideia, mais controversa, é ajudá-los. Se a sociedade se prejudica ao puni-los, talvez se beneficie ao ajudá-los.

As prefeituras poderiam, por exemplo, divulgar (em sites, cartazes etc.) as vacinas disponíveis em cada posto, tornando públicas informações que já circulam em sites e grupos de WhatsApp e Telegram. (A Prefeitura de São Paulo faz isso para a segunda dose; poderia fazer também para a primeira.) Com isso, os sommeliers deixariam de atrapalhar e tomariam logo a vacina, e teríamos mais vacinados em menos tempo.

Quem tem um motivo mais “legítimo” para escolher uma vacina específica – gravidez, amamentação, condições médicas, viagens importantes – poderia achá-la com facilidade e não passaria pelo constrangimento de ver sua necessidade confundida com reles capricho. E quem não tem preferência por marca alguma poderia se beneficiar de filas menores em postos preteridos pelos sommeliers.

Claro, nem tudo são flores. Essa ideia aumenta a complexidade do sistema e também pode dar errado.

Ela poderia transmitir a equivocada mensagem de que não há problema em escolher, estimulando pessoas sem forte preferência, normalmente indiferentes à marca da vacina, a virar sommelier.

Postos com as vacinas mais procuradas poderiam ter filas muito longas. E um possível acúmulo das menos desejadas poderia levar ao vencimento de doses.

Por outro lado, é possível que o aumento no número de sommeliers seja mínimo, que um sistema de senhas ou agendamento amenize filas mais longas e que as vacinas não cheguem a vencer (a oferta é insuficiente).

Aparentemente, não temos dados o suficiente para saber se essa ideia daria certo. Experimentá-la por um tempo pode gerar alguma evidência a nortear o melhor caminho a seguir.

Quem defende a vacinação diz que, geralmente, é melhor prevenir do que remediar. Ajudar os sommeliers pode prevenir a sociedade dos males causados por eles.


Juliano Spyer sobre os evangélicos

No ano passado, Juliano Spyer lançou Povo de Deus, livro sobre os evangélicos no Brasil. A divulgação contou com diversas entrevistas, e a minha favorita foi a da DW Brasil.

E nessa igreja você dá voz à sua religiosidade profunda, é ouvido como pessoa, não como número ou funcionário, põe para fora suas inquietações, frustrações e dores. Além disso, há uma rede de ajuda mútua: quando o marido fica desempregado e se arruma emprego, o filho se envolve com drogas e encontra um lugar para ser tratado, o marido que batia na mulher encontra caminhos para negociar uma harmonia em casa. É um estado de bem-estar social informal.

Esse cristianismo tem consequência direta na estabilização da vida de pessoas em situação de vulnerabilidade.

[…]

[As classes média-alta e alta t]êm uma visão estereotipada, pouco esclarecida e muito arrogante. Veem ou como o evangélico do mal, o sujeito manipulador da fé que ganha dinheiro e se usa da ingenuidade popular, ou como o evangélico do bem, o coitadinho que precisou se apegar a isso. Mesmo quando se tem uma visão benigna, é prepotente.

[…]

No Brasil, de um lado você tem um governo que demonstra respeito pelos valores dessa população [evangélica]. E do outro lado tinha o outro candidato, Fernando Haddad. Não sou antipetista e não falo isso como crítica pessoal, mas ele cometeu um erro ao chamar o bispo Edir Macedo de charlatão. Havia mulheres da Igreja Universal batalhando dentro dos seus espaços de culto para defender um candidato que era alternativa ao Bolsonaro que, com essa declaração, perderam essa possibilidade, pelo argumento de “como votar em alguém que nos desrespeita”.

Spyer acha que a do Estadão foi melhor.

A conversão também é um ato inteligente, e não apenas de fé, que traz benefícios à vida do brasileiro mais pobre. No final dos 18 meses, descobri que várias das pessoas da igreja evangélica com quem me relacionava tinham participado de organizações criminosas e sido presas. E eram ótimos pais, esforçados, generosos. É a principal maneira para reinserir na sociedade pessoas que estiveram envolvidas com violência, com drogas. O cristianismo evangélico produz esse tipo de mudança. O sujeito para de beber, para de bater na mulher, estimula o filho a ir para a escola, cria relações familiares de parceria, de cooperação. A igreja estimula essa transformação, você não vai mudar de vida quando morrer, você pode mudar de vida agora. Pode parecer simplório, mas oferece um senso de auto-estima, cria um contexto para grandes transformações. E a igreja te oferece apoio e uma rede de afetos para fazer isso – porque, muitas vezes, as pessoas se afastam dos antigos amigos e até da família.

[…]

A bancada evangélica não é a bancada dos evangélicos. O exemplo mais conhecido é o de Marina da Silva (que, embora seja evangélica não se alinhava à bancada evangélica quando foi parlamentar). Existem mais nuances do que a gente geralmente conhece, mesmo dentro da própria bancada. Uma estrutura ganha poder que se desdobra em muitos ângulos, que passa a se reproduzir e tomar conta do espaço público. Mas passa a se pautar pelos líderes das igrejas, não por seus eleitores. Esse é o fenômeno triste e que merece atenção: até que ponto atuam em benefício das pessoas que votaram neles? A bancada acaba se aproximando de outros grupos conservadores da elite do Brasil, como a bancada da bala, a bancada do boi, os interesses da igreja, da moral e se distanciando imensamente das pautas que favorecem o grupo que os elegeu, que são os pobres, como o combate à corrupção. A gente precisa refinar o nosso entendimento para separar esse termo tão amplo, evangélico, que se aplica a tudo e se transformou quase em um xingamento, para olhar para o projeto de poder de determinadas igrejas. É um grupo que é diferente da gente em termos de visão de mundo e valores. Mas essas coisas estando separadas, vamos conseguir lidar com ele de forma interessante. A mídia tem parte nisso; a maioria das notícias critica ou demoniza os evangélicos. Invasão e destruição de terreiro é crime, lógico, mas não dá para culpar um grupo tão extenso, múltiplo e variável. Essa mistura de preconceito com discordância acaba fortalecendo os grupos mais conservadores.

[…]

Em termos de convívio e troca conhecemos muito pouco desse outro Brasil, onde prospera o cristianismo evangélico. E esse grande Brasil, que não é a USP, a Unicamp, a Vila Madalena, o Leblon, precisa ser abraçado.

No mês passado, Spyer publicou um texto com alguns dos argumentos apresentados no livro.

Além de não se interessarem pelo tema, intelectuais, formadores de opinião, jornalistas e pessoas com maior escolaridade em geral expressam desprezo pelos evangélicos em conversas privadas. […] Ao evocar uma imagem caricata e ingênua de “evangélicos”, sugere-se que o problema a ser combatido seja a religião e não o posicionamento de certas lideranças religiosas. E eventualmente os críticos cometem o mesmo tipo de incitação ao preconceito que eles acusam evangélicos de cometer.

[…]

As possibilidades abertas aos convertidos de levarem vidas mais seguras e disciplinadas torna o evangélico um funcionário desejado. Observei isso junto acontecer nos maiores negócios da área onde morei, na costa ao norte de Salvador, conhecida como “Costa dos Coqueiros”. […] Para incentivar a permanência no emprego de funcionários evangélicos, alguns dos principais hotéis abriam salas para a realização de cultos aos funcionários evangélicos que trabalham no período noturno ou nos finais de semana.

[…]

Entre várias as consequências positivas da adoção do cristianismo evangélico nos bairros pobres brasileiros — que apresento em detalhes no livro — estão a redução da violência doméstica, o fortalecimento da disciplina no trabalho, o investimento na própria família, o fortalecimento da posição da mulher na família e no mundo do trabalho, o aumento da alfabetização de adultos e valorização da educação, e ajuda para a recuperação de presos e dependentes químicos.

(Todos os grifos são meus.)

Nos trechos acima, Spyer cita o preconceito aos evangélicos nas classes média-alta e alta e entre “intelectuais, formadores de opinião, jornalistas e pessoas com maior escolaridade”. Tenho a impressão de que ele é comum mesmo fora desses grupos.


Pesquisadores querem ensinar ciência, mas não reconhecem os próprios erros

Artigo publicado na ‘Folha de S.Paulo’ contém falhas primárias

No mês passado, o site da Folha de S.Paulo publicou o artigo “Ciência séria não escolhe evidência”, que, entre outras coisas, tenta explicar como se faz ciência. Seus autores, Guilherme Lichand e Márcio Sommer Bittencourt, cometeram pelo menos três erros primários – e admitiram apenas um:

  1. Disseram que um artigo da Scientific Reports foi publicado na “reconhecida revista Nature” (erro não admitido)
  2. Usaram o mesmo artigo, que incluiu estudos com pacientes hospitalizados, como argumento contra o tratamento precoce (erro não admitido)
  3. Disseram que o famoso artigo fraudulento da Lancet “sugeria que cloroquina tinha efeitos positivos” (erro admitido e corrigido)

Aos detalhes.

O texto na Folha cita uma meta-análise “publicada na reconhecida revista Nature”. O artigo, na verdade, saiu na Scientific Reports, um periódico com fator de impacto bem menor que o da Nature e um grande histórico de controvérsias.

Comuniquei o erro ao jornal, que entrou em contato com os autores. A resposta: não foi erro, e o pedido de correção seria “preciosismo” de minha parte, pois a Scientific Reports “é uma publicação da Nature, sob o mesmo guarda-chuva editorial”.

Qualquer cientista sério sabe que existe uma grande diferença entre “publicação da Nature” e “reconhecida revista Nature”. A Nature tem dezenas de periódicos. Pela curiosa interpretação de Lichand e Bittencourt, quem publica um artigo na Acta Pharmacologica Sinica ou na Scientific American pode orgulhosamente incluir a “reconhecida revista Nature” em seu currículo. E que ninguém tente corrigi-lo! Seria “preciosismo”.

Ora, nem mesmo os pesquisadores responsáveis pela citada meta-análise concordariam com a bondosa forçada de barra no texto da Folha. Imaginem se saíssem por aí dizendo que emplacaram um trabalho na “reconhecida revista Nature”. Seriam ridicularizados.

O segundo erro foi usar a meta-análise da Scientific Reports, que incluiu estudos em pacientes hospitalizados, como argumento contra o tratamento precoce. São situações distintas. “É o beabá do assunto”, disse Flavio Abdenur em uma surreal conversa com Lichand no Twitter.

Em “A imprensa e a hidroxicloroquina”, escrevi:

Frequentemente vemos resultados de ensaios com pacientes hospitalizados usados como argumentos contra um possível benefício da droga no tratamento precoce. É uma retórica enganosa, e a imprensa, ao misturar tudo e não fazer a devida distinção dos casos, confunde o debate. Muitas vezes o tratamento precoce é mencionado apenas en passant, como se a discriminação entre ele e o tratamento de pacientes hospitalizados fosse pouco importante.

Mas ela é importante. Primeiro, é comum uma droga apresentar diferentes efeitos dependendo da fase do tratamento. Segundo, a parte mais interessante do debate, em que residem as maiores incertezas, é justamente a que envolve a prevenção e o tratamento precoce.

Só para ser claro, não quero defender aqui a atuação do Ministério da Saúde (que apoia o tratamento precoce), apenas apontar a falha na argumentação do texto publicado na Folha.

Para finalizar, provavelmente o erro mais gritante: os autores disseram que o famoso estudo fraudulento publicado na Lancet, com resultados negativos ao uso de cloroquina e hidroxicloroquina, “sugeria que cloroquina tinha efeitos positivos”.

Daniel Victor Tausk fez um ótimo comentário a respeito (cópia no Substack):

Eles estão tão por fora do assunto que sabem menos que um leigo que acompanha razoavelmente bem as notícias. É como se dois historiadores fossem escrever um artigo no jornal num tom “vão estudar história seus ignorantes” e afirmassem no artigo que Getúlio Vargas derrubou Dom Pedro I, dando início à Guerra dos Cem Anos. Passar só um pouco de vergonha é para os fracos.

Comuniquei o erro à Folha, que corrigiu o texto.

[A]ceitamos a evidência e corrigimos o que exige correção”, disse Lichand. “Diferente de quem tem certezas, reconhecemos e corrigimos erros”, disse Bittencourt.

Infelizmente, é difícil levar essas frases a sério. Antes, ao serem questionados sobre o erro, Lichand desconversou e disse que “a redação saiu dúbia”, e Bittencourt simplesmente ficou quieto. Eles só admitiram o erro porque foram forçados a isso, após o contato da Folha. E, se de fato tivessem compromisso com a verdade, reconheceriam também o erro da “reconhecida revista Nature”. Mas não o fizeram.

Os erros são lamentáveis, e a resistência em admiti-los e corrigi-los é ainda pior. Uma postura um tanto anticientífica de pesquisadores que se propõem a explicar a ciência. (Não estão sozinhos nisso, claro.)


A miséria da crítica jornalística

Fechar os olhos para erros e imprecisões é péssimo para o jornalismo; pior para uma ombudsman

No fim de dezembro, a Folha de S.Paulo publicou uma versão resumida do meu artigo “A imprensa e a hidroxicloroquina“, no qual mostrei erros do jornal na cobertura sobre o medicamento.

Era uma crítica jornalística, não uma defesa do uso da droga, como muitos erroneamente entenderam. Não me posicionei sobre essa questão. O foco era outro: os erros da imprensa.

Até para evitar esse desentendimento, destaquei a posição de um especialista em hidroxicloroquina que é contra o seu uso fora de ensaios clínicos. E não disse se concordo ou discordo dele, pois isso pouco importava para a discussão.

Não adiantou. Errei. Deveria ter sido mais explícito. Expressei-me mal e subestimei o viés cognitivo que leva pessoas a interpretar equivocadamente a apresentação de ideias contrárias às delas. O texto original é bem mais nuançado (irônico, eu sei) e detalhado, por isso acredito que boa parte das discórdias deveu-se a erros que cometi ao tentar sintetizá-lo.

Deparei-me ainda com muitas afirmações vagas e imprecisas, que nada acrescentam e só agradam a torcedores que aplaudem de maneira quase automática qualquer defesa de suas opiniões, mesmo quando mal argumentada.

A ombudsman da Folha, em seu texto mais recente, apelou para essa retórica. Disse que o meu artigo “enxerga erro onde ele não existe” sem apontar especificamente onde errei – uma acusação vaga. Em contraste, fui explícito e exato ao mostrar as falhas do jornal.

No único trecho em que foi mais específica, ela errou. Disse que uma das reportagens citadas “apresenta todos os elementos de que o autor diz sentir falta na cobertura”. A reportagem de fato tem elementos ausentes em outros textos, mas o erro que apontei nela foi outro: o ceticismo parcial, com citação a um estudo fraudulento com resultados contra a hidroxicloroquina.

A colunista ignorou essa grave falha (e todas as outras) e desviou o foco para os pontos positivos da reportagem, uma decisão no mínimo curiosa para uma ombudsman.

Será que, para ela, ser cético com apenas um dos lados do debate é um erro que “não existe”? Citar como legítimo um estudo fraudulento é um erro que “não existe”? A que ponto chegamos: uma ombudsman que fecha os olhos para os erros do próprio veículo.

Ironicamente, quem apontou um erro que não existe foi ela, ao acusar a Folha de “recorrer novamente à fórmula” de opor “um texto a favor, outro contra” o medicamento.

Meu artigo não era contra ou a favor da hidroxicloroquina; era simplesmente contra a cobertura que a imprensa tem feito. Na versão publicada no jornal, destaquei um cientista que é contra o uso da droga fora de ensaios clínicos. Como a opinião dele “poderia pôr em risco a saúde de muitos”, como sugere a ombudsman?

Muitos leitores acharam que defendi o uso da hidroxicloroquina, mas eles apenas interpretaram mal o texto resumido, publicado na Folha. O caso da ombudsman é bem pior, pois ela leu a versão mais longa, que praticamente não dá margem para essa leitura equivocada (digo explicitamente: “Não quero defender aqui nenhuma das posições apresentadas”).

Quando lhe enviei o texto completo, em novembro, ela me respondeu como se eu estivesse apoiando o uso do medicamento e – assim como depois faria em sua coluna – não abordou nenhum dos pontos por mim levantados. Disse-lhe, então: o texto não é uma defesa da droga. Mesmo depois disso, ela insistiu nessa interpretação equivocada em sua coluna. O que explica um absurdo desses?

Ela ainda escreveu o seguinte:

Muitos leitores me mandam textos para publicação e encaminho as sugestões para a seção Tendências / Debates ou para a editoria correspondente.

Para ficar em um exemplo mais recente, o ex-ministro Aloizio Mercadante pediu (e não levou) espaço para questionar a reportagem cujo título nas redes foi “Década colocou os negros na faculdade, e não (só) para fazer faxina“, e cuja façanha é não mencionar, em nenhum momento, que a Lei de Cotas foi aprovada no governo Dilma Rousseff.

O texto sobre a cloroquina foi mandado à ombudsman e encaminhado à seção Tendências / Debates. Teve mais sorte.

Esse trecho é curioso. Primeiro, a sua utilidade no artigo é praticamente nula. Mercadante levou uma cutucada gratuita, e a citação a ele ainda gerou um “erramos“.

Segundo, a ombudsman deu a entender que encaminhou o meu texto à seção “Tendências / Debates”. E emendou com isto:

A decisão sobre o que é publicado na seção Tendências / Debates cabe à editoria de Opinião, ouvida a Direção de Redação. Entre os critérios para a escolha estão qualidade do artigo, relevância e oportunidade do tema e representatividade do autor—fatores que tornam a publicação do texto ainda mais intrigante.

Se o meu artigo não tinha qualidade, se o tema não tinha relevância e se eu não tenho “representatividade” (?), por que ele foi encaminhado para “Tendências / Debates”? Se a ombudsman achou o meu texto tão ruim, nem deveria ter perdido tempo encaminhando-o, certo?

Ou será que não foi ela quem o encaminhou? Nesse caso, deveria ter sido mais clara no trecho anterior.

A menção a “representatividade” beira um ataque pessoal e pouco acrescenta ao debate. Muitos costumam avaliar um discurso baseados principalmente nas posições defendidas e nas credenciais de seus autores, não na qualidade dos argumentos. A ombudsman parece cometer esse equívoco.1 Se o meu texto adotasse o mesmo discurso equivocado que domina a imprensa (e seria muito fácil redigir um assim), minha “representatividade” provavelmente passaria longe de ser questionada.

A colunista também foi vaga ao tentar explicar a “intrigante” publicação do meu texto – em vez de investigar e revelar os reais motivos (eu adoraria conhecê-los), limitou-se a citar uma série de hipóteses. Uma delas seria a “tentativa […] de colher mais um punhado de cliques”.2 Não deve ser (apenas) isso, pois o artigo foi publicado também no jornal impresso.

Ela ainda falou em “consenso da comunidade científica” sem mostrar evidências desse consenso nem explicar que comunidade é essa. Como esse consenso foi mensurado, exatamente? O “dissenso merece um tratamento mais cuidadoso”, reclamou. Dissenso em relação ao quê? Só se for a um aparente consenso jornalístico.

Afinal, como seria possível falar em consenso científico quando há tanta discordância entre pesquisadores qualificados? A incerteza aparece explicitamente mesmo em estudos com resultados contra o uso da hidroxicloroquina e em declarações dos seus autores.

Peter Horby, condutor do importante estudo Recovery, não descarta a possibilidade de que uma dose mais baixa da droga ou o tratamento em fases mais iniciais da doença possam “ter um efeito diferente daqueles observados” em seu ensaio.

David Boulware, que trabalhou em vários estudos, também não descarta a possibilidade de o medicamento ter algum efeito. É possível que ele “seja mais eficaz em populações com maior risco de complicações”, diz um de seus trabalhos.

As diretrizes da Organização Mundial de Saúde dizem que “a hidroxicloroquina e a cloroquina provavelmente não reduzem a mortalidade ou a ventilação mecânica e podem não reduzir a duração da hospitalização_” e que “o efeito sobre outros resultados […] permanece incerto” (grifos meus).

Uma réplica ao meu artigo afirmou que toda essa incerteza seria “irrelevante o suficiente para que a imprensa possa tratar essa ineficácia como ‘comprovada'”. Incrivelmente, a ombudsman aparentou concordar com isso. Tratar incerteza como algo comprovado, para mim, é erro. É descrição imprecisa da realidade, outro mal comum no jornalismo. Aprovar uma atitude dessas é incentivar mais imprecisão no jornalismo, e disso ele já está cheio. (Os poucos colegas que fiz na profissão podem atestar a minha intolerância a erros e imprecisões.)

Com comparações exageradas, a réplica ainda pareceu ignorar a possibilidade de fazer uma cobertura cética sem ressalvas absurdas. Sobre o assunto, vale ler o texto “Science journalism and the art of expressing uncertainty” (jornalismo de ciência e a arte de expressar incerteza), do estatístico Andrew Gelman, que contém boas sugestões para melhorar o trabalho dos jornalistas. O ceticismo, diz ele, deve ser exercido para transmitir aos leitores “uma sensação de incerteza, que é central para o processo científico”.

A crítica jornalística praticamente inexiste nos veículos tradicionais da imprensa brasileira. O principal espaço para esse exercício é, provavelmente, a coluna da ombudsman na Folha. A sua atual titular abusa de acusações vagas, fecha os olhos para os erros do seu veículo e, pelo visto, até apoia um jornalismo mais impreciso – desde que não contrarie certo discurso.

Um momento desalentador para o jornalismo e a crítica de mídia no Brasil.

Críticas são bem-vindas, desde que bem fundamentadas. Vale repetir: as pessoas precisam dar mais valor à qualidade dos argumentos e menos às posições defendidas e às credenciais de seus autores.


  1.  Esse é outro defeito comum no jornalismo. Há muito espaço para pessoas com “representatividade” e argumentos ruins e pouco espaço para desconhecidos com argumentos bons. Mas isso fica para outra discussão.

  2.  Não nego que ficaria desapontado se os cliques fossem o principal motivo da publicação – são um dos principais motivos pelos quais me afastei do jornalismo online.


A imprensa e a hidroxicloroquina

Jornalismo sem ceticismo e nuance passa a ideia de certeza onde ela não existe

A hidroxicloroquina é comprovadamente ineficaz contra a Covid-19. O seu uso já foi descartado. Não existe evidência a favor. Essa é uma questão superada. Esse é o consenso científico.

Muita gente teoricamente bem informada acredita piamente em algumas das afirmações acima. Ou mesmo em todas. O problema? Nenhuma delas está correta.

Quer dizer que a hidroxicloroquina funciona? Não sabemos. Esse é o ponto. Ainda há dúvidas sobre a eficácia da droga, mas há meses a imprensa passa a ideia de que existe uma certeza: não funciona. E, no esforço de fortalecer esse discurso, o jornalismo comete uma série de erros.

“Imprensa”, aqui, é a mídia mainstream, formada por veículos com maior alcance, influência e credibilidade, como Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo e Rede Globo. E “gente teoricamente bem informada” é o grupo de pessoas que costuma se informar principalmente por esses canais.

Abaixo, mostro algumas dessas falhas jornalísticas e a incerteza que ainda existe sobre o uso da hidroxicloroquina para Covid-19. Os exemplos são todos da Folha apenas por ser o veículo brasileiro que mais acompanho. Seus principais concorrentes, de qualquer maneira, têm feito um trabalho de nível semelhante, quando não pior.

Parcialidade e falta de ceticismo

Em editorial no dia 9 de setembro, a Folha afirma: “Centenas de grupos de pesquisa as escrutinaram e a conclusão é que, se elas [cloroquina e hidroxicloroquina] têm efeito sobre a moléstia, é pequeno demais e não compensa o risco dos graves efeitos adversos que podem produzir.”

Um levantamento dessa magnitude mereceria uma reportagem própria – não apenas um parágrafo em um editorial – mostrando quais foram essas centenas de grupos e como foi essa escrutinação que chegou a uma conclusão que parece até mágica de tão certeira.

Prossegue o texto: “Desde maio, a recomendação quase unânime de reguladores e associações médicas é que não sejam utilizadas para tratar a Covid-19.”

Esse seria outro fato digno de uma matéria própria. Se alguém fez a sondagem da posição de “reguladores e associações médicas” do mundo todo sobre o uso das drogas – e acompanhou isso desde maio –, por que o jornal não mostrou?

As duas afirmações da Folha parecem um tanto duvidosas. Afinal, houve apuração ou apenas chute?

Sem evidências claras – algo que jornalistas cobram tanto do presidente Jair Bolsonaro –, o texto procura reforçar a ideia de que a ineficácia da hidroxicloroquina seria um fato, uma certeza.

Meses antes, em 24 de julho, outro editorial já proclamava: “Governo insiste na cruzada pela hidroxicloroquina, comprovadamente ineficaz”.

Aqui, dois problemas. Primeiro, se a droga fosse de fato “comprovadamente ineficaz”, por que tantos cientistas continuaram – e continuam – a estudá-la?1 Alguém estava errado: o jornal ou os cientistas.

Segundo, a Folha aparentemente escreveu isso motivada por um estudo publicado no dia anterior no New England Journal of Medicine (NEJM). Talvez levada pelo calor da discussão, ela aceitou apressadamente os seus resultados, sem demonstrar um pingo de ceticismo ou aguardar a reação de outros cientistas.

Realizado no Brasil, o estudo recebeu ampla cobertura positiva na mídia do país. A reportagem da Folha basicamente reproduz as suas conclusões e não menciona nenhuma das limitações listadas no próprio NEJM – parece até um press release. (Press releases de ciência não costumam ser muito diferentes dos de outras áreas – exageram a qualidade e a importância e diminuem ou escondem as fraquezas do material propagandeado.)

Cabe notar que a Folha (assim como o Estadão) teve acesso antecipado ao conteúdo da pesquisa, incluindo entrevistas com alguns de seus autores. Pelo visto, até houve tempo para fazer um texto mais equilibrado, mas o jornal deliberadamente optou por uma cobertura acrítica. Com isso, ficaram satisfeitos o jornal e as suas fontes – o primeiro, ao ganhar acesso privilegiado, e as últimas, ao ganhar propaganda (que incluiu também chamada na primeira página da edição impressa).

Todos ganharam, então? Infelizmente não. Nessa troca de favores, quem perdeu foi o leitor.

Os textos supracitados evidenciam um dos grandes problemas do jornalismo de ciência: a falta de ceticismo (ironicamente, um elemento básico tanto do jornalismo quanto da ciência).

Claro, nem sempre é assim. As reportagens “Site faz placar de pesquisas pró e contra uso de cloroquina” (22 de agosto) e “Novos artigos sobre hidroxicloroquina e Covid-19 levantam ‘debate estatístico’” (17 de outubro), por exemplo, abordam com bastante ceticismo estudos que sugerem a possibilidade de as drogas terem efeitos positivos.

Elas, porém, expõem outros problemas na cobertura.

A matéria sobre o “debate estatístico” inclui entrevista com cinco pessoas, das quais quatro atacam as meta-análises que sugerem um possível benefício no uso da hidroxicloroquina. A única a defendê-las é a que tem um domínio melhor de estatística, mas isso não fica claro no texto. Parece até que a proposta era colocar um número maior de entrevistados contra as meta-análises, sem se importar com o conhecimento de estatística de cada um deles – decisão completamente questionável dado o título da matéria.

O texto sobre o “placar de pesquisas” tem mais problemas. Ele diz que “a comunidade científica tende a duvidar do potencial dessas duas drogas contra a Covid-19” – uma afirmação um tanto duvidosa, que parece ser mais suposição do que fato. Quem fez essa pesquisa envolvendo toda a “comunidade científica”? E como se chegou a tão estranha conclusão (“tende a duvidar”)?

No esforço de desacreditar qualquer discurso possivelmente a favor das drogas, o jornal usa e abusa de afirmações vagas e imprecisas.

A coisa piora neste trecho: “A briga se aqueceu mais quando um trabalho que apontava riscos da cloroquina, publicado na revista The Lancet, foi questionado. Houve acusações, sem provas, de que os autores teriam motivações políticas e financeiras.”

Essa é uma péssima síntese do caso, pois subestima a sua gravidade e passa a ideia de que o estudo tem alguma credibilidade – afinal, saiu na Lancet –, com o único porém de ter sido alvo de acusações “sem provas” sobre as motivações dos autores.

Na verdade, o caso foi extremamente grave, tratado por muitos como um “escândalo”.2 O estudo usou dados aparentemente falsos fabricados por uma empresa e acabou sendo retratado (ou seja, teve a sua publicação cancelada) pela Lancet. Richard Horton, editor-chefe da revista, chamou o trabalho de uma “fraude monumental”. O mesmo destino teve outro artigo, publicado no NEJM, que tinha alguns dos mesmos autores e usava dados suspeitos da mesma empresa.

A reportagem da Folha aborda com imenso ceticismo argumentos a favor da hidroxicloroquina, mas cita como se fosse legítimo um estudo retratado que tinha resultados contra a droga. Um completo absurdo.

O exemplo do estudo da Lancet é extremo, mas ilustra bem como a imprensa trata de maneira muito diferente estudos com resultados contra e a favor do medicamento.

Alguém pode alegar que as pesquisas que não encontraram benefícios foram publicadas em periódicos mais importantes, mas isso no máximo poderia justificar um ceticismo menor em relação a elas, nunca um ceticismo inexistente. É indefensável a cobertura acrítica de trabalhos científicos, independentemente do que digam, de onde tenham sido publicados ou de quem sejam os seus autores.

Esse problema também aparece em “É urgente que a cloroquina seja abandonada para qualquer fase da Covid-19, diz Sociedade de Infectologia” (17 de julho), em que dois estudos que dizem não ter encontrado eficácia no uso da hidroxicloroquina são apresentados de maneira extremamente positiva, apenas com uma rápida menção a uma limitação de um deles (publicado na Annals of Internal Medicine).

A reportagem passa a ideia de que, por serem ensaios randomizados controlados (“padrão-ouro”), eles teriam boa qualidade, embora haja inúmeras ocorrências de falhas graves em trabalhos desse tipo – e mesmo os dois citados no texto foram bastante criticados. Ela ainda erra ao descrever o estudo publicado na Clinical Infectious Diseases como duplo-cego (uma característica positiva), o que ele não é.

O texto não é demasiadamente complacente apenas com os estudos mencionados, mas também com a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), cuja posição não é questionada em momento algum. Tivemos mais uma matéria com tom de press release.

O informe da entidade diz, entre outras coisas, que “a SBI acompanha a orientação que está sendo dada por todas [as] sociedades médicas científicas dos países desenvolvidos e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) de que a hidroxicloroquina deve ser abandonada em qualquer fase do tratamento da COVID-19” – uma afirmação, parece-me, digna de questionamento.

Quem fez o levantamento da orientação de “todas” (!) as “sociedades médicas científicas dos países desenvolvidos”? Ele foi publicado em algum lugar? Seria bom saber mais detalhes.

Para piorar, a reportagem inclui apenas uma posição contrária à da SBI: a do governo brasileiro. Ora, ter Bolsonaro e seus asseclas como antagonistas em um debate científico é algo para se comemorar (pelo menos para quem prefere adversários fracos), de maneira que a única oposição à SBI no texto acaba fortalecendo o discurso da entidade.

Muita certeza e pouca nuance

Esse tem sido outro defeito da cobertura: há um enorme destaque para figuras intelectualmente toscas que defendem irresponsavelmente o uso da hidroxicloroquina e quase nenhum para pesquisadores que fazem críticas sérias aos estudos sobre a droga.

É um ponto em que o jornal tem se aproximado das redes sociais, nas quais declarações polêmicas e sem fundamento geram muito mais repercussão do que comentários técnicos e ponderados.

Isso acaba por gerar a impressão de que apenas pessoas do nível de Donald Trump, Jair Bolsonaro, Osmar Terra, Marco Feliciano, Carla Zambelli e Arthur Weintraub desconfiam dos trabalhos que não veem eficácia na hidroxicloroquina. “De um lado, a ciência; de outro, ignorantes que politizaram a discussão.”

É uma simplificação errônea, que reforça estereótipos e dá pouco ou nenhum espaço para vozes importantes, com conhecimento e experiência.

Uma delas é a de Nicholas White, cientista com currículo primoroso que trabalha no Mahidol Oxford Tropical Medicine Research Unit e atualmente conduz o Copcov, um grande estudo randomizado controlado sobre a eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina na prevenção de Covid-19 em profissionais de saúde.

Para ele, o quadro ainda não é claro e há afirmações exageradas sobre o risco. Talvez as drogas possam ajudar na prevenção ou no tratamento precoce – faltam estudos para confirmar ou descartar isso –, e elas são seguras quando administradas com o devido cuidado.

Essas posições foram expostas com mais detalhes em uma análise publicada no PLOS Medicine, na qual White e os coautores afirmam que a ausência de benefício da droga em pacientes hospitalizados, cuja evidência é forte, foi extrapolada para a ausência de benefício em outros casos, cuja evidência é fraca – uma extrapolação “injustificável”.

Esse é um ponto que merece mais destaque. Frequentemente vemos resultados de ensaios com pacientes hospitalizados usados como argumentos contra um possível benefício da droga no tratamento precoce. É uma retórica enganosa, e a imprensa, ao misturar tudo e não fazer a devida distinção dos casos, confunde o debate. Muitas vezes o tratamento precoce é mencionado apenas en passant, como se a discriminação entre ele e o tratamento de pacientes hospitalizados fosse pouco importante.

Mas ela é importante. Primeiro, é comum uma droga apresentar diferentes efeitos dependendo da fase do tratamento. Segundo, a parte mais interessante do debate, em que residem as maiores incertezas, é justamente a que envolve a prevenção e o tratamento precoce.

São essas incertezas, por sinal, que levam White e seus colegas a não recomendar o uso da hidroxicloroquina e da cloroquina em tratamentos fora de ensaios clínicos.

Essa posição deve ser ressaltada porque muitos enxergam uma quase necessária correlação entre 1) criticar a ideia de que as drogas são comprovadamente ineficazes e 2) defender o seu uso em tratamentos médicos. White e seus colegas mostram que é perfeitamente possível fazer o primeiro e não fazer o segundo.

Da mesma maneira, dizer “talvez a hidroxicloroquina funcione” não necessariamente significa dizer “ela já deve ser utilizada”.

Tal nuance tem se perdido no debate divulgado pela imprensa, que prefere repercutir os dois extremos – gente que defende a droga fervorosamente, como se ela fosse uma bala de prata, e gente que a ataca sem pensar, como se a sua ineficácia fosse inquestionável. Isso reforça uma polarização que em nada ajuda o debate – na verdade, pode até estar atrapalhando a sua resolução.

Como?

Ao propagar um discurso sem nuance e polarizado, a mídia colaborou para chegarmos a este estado em que poucos têm dúvidas e muitos têm certezas. Isso dificulta a realização de ensaios clínicos maiores e melhores do que os já feitos.

Um público que tem certeza de que as drogas são ineficazes não aceitará participar de ensaios clínicos randomizados – se não funcionam (e ainda são perigosas), por que se arriscar? No outro extremo, quem tem certeza de que elas são eficazes também não tem motivos para entrar em estudos.

Ficamos mais longe de uma resposta a cada vez que a cloroquina e a hidroxicloroquina saem nas manchetes, disse-me White, em conversa por e-mail.

A imprensa precisa dar mais espaço para a incerteza.

“Geralmente, e particularmente no contexto da Covid-19, a certeza é o reverso do conhecimento”, dizem George Davey Smith, Marcus Munafò (ambos da University of Bristol) e Michael Blastland (escritor) em artigo no BMJ no qual criticam pessoas que aparentam saber “exatamente o que está acontecendo e o que fazer a respeito”.

Seu principal alvo não são “aqueles que insistem que a hidroxicloroquina salvará todos nós”, mas “as muitas pessoas racionais com credenciais científicas fazendo pronunciamentos públicos assertivos sobre a Covid-19 que parecem sugerir que não pode haver motivos legítimos para discordar delas”. O recado serve também para muitos jornalistas.

Quanto mais certeza alguém tem sobre a Covid-19, menos você deve confiar nela, dizem os autores. Eles sugerem ouvir “aqueles que respeitam a incerteza” e que reconhecem evidências contrárias mesmo às suas convicções mais fortes.

Como em tantos assuntos, é entre os extremos que podemos encontrar informação mais rica, mas ela é ignorada em um ambiente que se limita a discutir “funciona” versus “não funciona”, desprezando o “talvez (não) funcione”.

Diversidade de visões

James Watson, que trabalha com White e compartilha de suas opiniões sobre a hidroxicloroquina, foi um dos primeiros cientistas a chamar a atenção para os problemas no estudo retratado da Lancet.

Suas preocupações levaram à elaboração de uma carta aberta que teve grande repercussão entre a comunidade científica e certamente contribuiu para a retratação do estudo. Sua lista de signatários – são mais de 100 – é uma bela amostra da diversidade de pontos de vista sobre a eficácia e o uso da hidroxicloroquina.

Um deles é Peter Horby (University of Oxford), que conduz o Recovery, um ensaio randomizado controlado que busca comparar diferentes tratamentos para casos suspeitos ou confirmados de Covid-19 em pacientes hospitalizados. Até o momento, ele teve resultados positivos para o uso de dexametasona e negativos para os usos de lopinavir-ritonavir e de hidroxicloroquina. Horby, porém, não descarta a possibilidade de que uma dose mais baixa desta última ou o tratamento em fases mais iniciais da doença possam “ter um efeito diferente daqueles observados no Recovery”. Assim como White, ele é contra o uso da hidroxicloroquina fora de ensaios clínicos.

Outro signatário, David Boulware (University of Minnesota), trabalhou em alguns dos estudos mais citados sobre a eficácia da hidroxicloroquina em casos de Covid-19. Todos têm a mesma conclusão: não há benefício. Ainda assim, ele não descarta a possibilidade de a droga ter algum efeito e declarou diversas vezes que apoia a realização de outros ensaios. Essas posições também estão expostas nos próprios textos dos estudos,3 mas em nenhum momento foram mencionadas pela Folha, que o entrevistou duas vezes. Quem conhece Boulware apenas pelo jornal pode ter uma impressão errada sobre a sua opinião.

Francois Balloux (University College London) acredita que o medicamento possa ter algum benefício para profilaxia e tratamento precoce.

A carta de Watson incluiu também pesquisadores com posições mais fortes a favor da hidroxicloroquina, como William O’Neill e Marcus Zervos (Henry Ford Hospital), que publicaram um polêmico e criticado estudo com resultados favoráveis ao uso da droga.

Eles são coautores de um artigo publicado no American Journal of Medicine que propõe um protocolo de tratamento precoce com hidroxicloroquina e azitromicina, além de zinco. Assinado por vários nomes de destaque – como Peter McCullough (Baylor University Medical Center; autor principal), Harvey Risch (Yale University), James Tumlin (Emory University School of Medicine), Nevin Katz (Johns Hopkins School of Medicine) e Gaetano de Ferrari (Università di Torino) –, o texto traz diferentes recomendações para pacientes de baixo e de alto risco.

Logo nos primeiros dias dos sintomas, diz o artigo, pacientes com alto risco devem tomar zinco e hidroxicloroquina com azitromicina. Os de baixo risco, por sua vez, devem tomar apenas zinco – hidroxicloroquina e azitromicina entram no tratamento apenas se a situação não melhorar. Isso porque, segundo os autores, pessoas saudáveis costumam se recuperar por conta própria – entre elas, a mortalidade é baixa, e os sintomas costumam ser mínimos. Para alguns, talvez seja surpreendente: mesmo um texto que defende fortemente o uso de hidroxicloroquina tem as suas nuances.

O mesmo pode ser visto na posição oposta. As diretrizes da Organização Mundial de Saúde para tratamento contra Covid-19, que incluem “forte recomendação” contra o uso de hidroxicloroquina ou cloroquina, dizem o seguinte (grifos meus):

A hidroxicloroquina e a cloroquina provavelmente não reduzem a mortalidade ou a ventilação mecânica e podem não reduzir a duração da hospitalização. A evidência não exclui o potencial de um pequeno aumento no risco de morte e ventilação mecânica com hidroxicloroquina. O efeito sobre outros resultados menos importantes – incluindo tempo para resolução dos sintomas, admissão no hospital e duração da ventilação mecânica – permanece incerto.

Essas diretrizes são baseadas em uma grande revisão e meta-análise de ensaios randomizados controlados feita por uma equipe com vários especialistas em metodologia. A última versão do trabalho (17 de dezembro) inclui este trecho (grifos meus):

A hidroxicloroquina, o lopinavir-ritonavir e a interferona beta podem não reduzir a mortalidade ou a ventilação mecânica, e parece improvável que tenham quaisquer outros benefícios. Os efeitos da maioria das intervenções com drogas são, atualmente, muito incertos, e nenhuma evidência definitiva existe de que outras intervenções resultem em benefícios e danos importantes para quaisquer resultados.

Os trechos em grifo mostram uma nuance que tem sido ignorada pela imprensa. As palavras “uncertain”, “uncertainty” e “uncertainties” aparecem 17 vezes nas diretrizes da OMS e sete vezes na revisão e meta-análise.

Cientistas que veem alguma chance de benefício no uso da hidroxicloroquina (independentemente de serem contra ou a favor do uso fora de ensaios clínicos) parecem concordar pelo menos em um ponto: se ela tiver algum efeito, será para prevenção ou tratamento precoce.

Aliás, se temos algo próximo de um “consenso científico” nesse debate todo, é justamente este: a droga aparentemente não funciona em pacientes hospitalizados, com sintomas mais graves ou em fase mais avançada de Covid-19.

Não quero defender aqui nenhuma das posições apresentadas – obviamente, todas também estão sujeitas a críticas; minha intenção é apenas mostrar como elas são variadas.

A ciência tem incertezas. O debate tem nuances. E a imprensa não tem mostrado isso.

A cobertura acrítica e sem ceticismo favorecendo um discurso único, a caracterização estereotipada de quem ousa questionar esse discurso, a atenção exagerada aos extremos do debate e a falta de nuance ao tratar o assunto evidenciam a baixa qualidade do trabalho da imprensa – justamente em um momento em que ela é tão necessária.


  1.  No momento, a base de dados ClinicalTrials.gov exibe quase 150 estudos com a hidroxicloroquina previstos ou em andamento.

  2.  ;Dois exemplos de matérias que usaram a palavra “escândalo” para o caso dos estudos retratados da Lancet e do NEJM:

  3.  Trechos de estudos com participação de David Boulware nos quais os próprios autores deixam em aberto a possibilidade de a hidroxicloroquina mostrar algum benefício em casos de Covid-19. Essa postura cautelosa e as limitações dos trabalhos costumam ser ignoradas pela imprensa.

    • David R. Boulware et al. “A randomized trial of hydroxychloroquine as postexposure prophylaxis for Covid-19”. The New England Journal of Medicine:

      However, the predictive power of this case definition is unknown, particularly in the younger populations that we studied; given the small number of PCR tests, it remains theoretically possible that hydroxychloroquine therapy limits proven infection.

      […]

      Whether preexposure prophylaxis would be effective in high-risk populations is a separate question, with trials ongoing.

    • Caleb P. Skipper et al. “Hydroxychloroquine in nonhospitalized adults with early Covid-19”. Annals of Internal Medicine:

      Our population was relatively young with 77% of participants being aged 50 years or less, with few comorbid conditions; thus, our trial findings are most generalizable to such populations. It is possible that hydroxychloroquine is more effective in populations at higher risk for complications, such as older persons in long-term care facilities.

      […]

      This trial may not inform whether an effect would be observed in populations at higher risk for severe COVID-19. Further randomized controlled clinical trials are needed in early COVID-19.

    • Radha Rajasingham et al. “Hydroxychloroquine as pre-exposure prophylaxis for Covid-19 in healthcare workers: A randomized trial”. Clinical Infectious Diseases:

      There was no statistically significant reduction in the incidence of Covid-19 in our trial. However, investigation into more frequent dosing may be warranted.


Referências

Jornais e revistas

  1. Cloroquina encalhada”. Editorial. Folha de S.Paulo, 9 de setembro de 2020.

  2. Sem cura”. Editorial. Folha de S.Paulo, 24 de julho de 2020.

  3. Mônica Bergamo. “Hidroxicloroquina não tem eficácia, diz maior estudo brasileiro sobre a droga”. Folha de S.Paulo, 23 de julho de 2020.

  4. Fabiana Cambricoli. “Maior estudo brasileiro mostra que hidroxicloroquina não funciona para caso leve e moderado de covid”. O Estado de S. Paulo, 23 de julho de 2020.

  5. Capa da edição de 24 de julho de 2020. Folha de S.Paulo, 24 de julho de 2020.

  6. Gabriel Alves. “Site faz placar de pesquisas pró e contra uso de cloroquina”. Folha de S.Paulo, 22 de agosto de 2020.

  7. Ana Bottallo. “Novos artigos sobre hidroxicloroquina e Covid-19 levantam ‘debate estatístico’”. Folha de S.Paulo, 17 de outubro de 2020.

  8. Roni Caryn Rabin. “The pandemic claims new victims: Prestigious medical journals”. The New York Times, 14 de junho de 2020.

  9. Phillippe Watanabe. “É urgente que a cloroquina seja abandonada para qualquer fase da Covid-19, diz Sociedade de Infectologia”. Folha de S.Paulo, 17 de julho de 2020.

  10. Gustavo Uribe, Daniel Carvalho. “Bolsonaro diz que ficou com pecha de genocida por defender a cloroquina”. Folha de S.Paulo, 8 de setembro de 2020.

  11. Projeto Comprova. “Deputado engana ao afirmar que pesquisa comprova eficácia da hidroxicloroquina”. Folha de S.Paulo, 5 de setembro de 2020.

  12. Projeto Comprova. “Site engana ao afirmar que poucas mortes por Covid-19 em Cuba são por conta da hidroxicloroquina”. Folha de S.Paulo, 28 de julho de 2020.

  13. Projeto Comprova. “Estudo distorce dados para dizer que hidroxicloroquina evitou mortes pela Covid-19”. Folha de S.Paulo, 4 de outubro de 2020.

  14. Charles Piller. “Who’s to blame? These three scientists are at the heart of the Surgisphere Covid-19 scandal”. Science, 8 de junho de 2020.

  15. Catherine Offord. “The Surgisphere scandal: What went wrong?”. The Scientist, 1º de outubro de 2020.

Periódicos acadêmicos

  1. Alexandre B. Cavalcanti et al. “Hydroxychloroquine with or without azithromycin in mild-to-moderate Covid-19”. The New England Journal of Medicine, 382 (2020): e102.

  2. Mandeep R. Mehra et al. “Hydroxychloroquine or chloroquine with or without a macrolide for treatment of Covid-19: A multinational registry analysis”. The Lancet, 22 de maio de 2020.

  3. Mandeep R. Mehra et al. “Cardiovascular disease, drug therapy, and mortality in Covid-19”. The New England Journal of Medicine, 382 (2020): e102.

  4. Caleb P. Skipper et al. “Hydroxychloroquine in nonhospitalized adults with early Covid-19”. Annals of Internal Medicine, 173 (2020): 623–631.

  5. Radha Rajasingham et al. “Hydroxychloroquine as pre-exposure prophylaxis for coronavirus disease 2019 (Covid-19) in healthcare workers: A randomized trial”. Clinical Infectious Diseases, (2020): ciaa1571.

  6. Nicholas J. White et al. “Covid-19 prevention and treatment: A critical analysis of chloroquine and hydroxychloroquine clinical pharmacology”. PLOS Medicine, 17, 9 (2020): e1003252.

  7. George Davey Smith et al. “Covid-19’s known unknowns”. The BMJ, 371 (2020): m3979.

  8. Recovery Collaborative Group. “Dexamethasone in hospitalized patients with Covid-19 — Preliminary report”. The New England Journal of Medicine, 17 de julho 2020.

  9. Recovery Collaborative Group. “Lopinavir–ritonavir in patients admitted to hospital with Covid-19 (Recovery): A randomised, controlled, open-label, platform trial”. The Lancet, 396, 10259 (2020): 1345–1352.

  10. Recovery Collaborative Group. “Effect of hydroxychloroquine in hospitalized patients with Covid-19”. The New England Journal of Medicine, 383 (2020): 2030–2040.

  11. Peter W. Horby, Jonathan R. Emberson. “Hydroxychloroquine for Covid-19: Balancing contrasting claims”. European Journal of Internal Medicine, 82 (2020): 25–26.

  12. Samia Arshad et al. “Treatment with hydroxychloroquine, azithromycin, and combination in patients hospitalized with Covid-19”. International Journal of Infectious Diseases, 97 (2020): 396–403.

  13. Peter A. McCullough et al. “Pathophysiological basis and rationale for early outpatient treatment of SARS-CoV-2 (Covid-19) infection”. The American Journal of Medicine, 134, 1 (2020): 16–22.

  14. Reed Siemieniuk et al. “A living WHO guideline on drugs for Covid-19”. The BMJ, 370 (2020): m3379.

  15. Reed Siemieniuk et al. “Drug treatments for Covid-19: Living systematic review and network meta-analysis”. The BMJ, 370 (2020): m2980.

  16. David R. Boulware et al. “A randomized trial of hydroxychloroquine as postexposure prophylaxis for Covid-19”. The New England Journal of Medicine, 383 (2020): 517–525.

Twitter

  1. David Boulware (@boulware_dr). “[…] We do not know if daily HCQ would have an effect. […]”. 1º de outubro de 2020.

  2. David Boulware (@boulware_dr). “[…] Perhaps with daily dosing, there may be an effect that is statistically different and clinically relevant.”. 22 de setembro de 2020.

  3. David Boulware (@boulware_dr). “While our HCQ trials did not show a statistical benefit at the dose we used, we have been supportive of other trials […]”. 22 de setembro de 2020.

  4. Francois Balloux (@BallouxFrancois). “HCQ might have positive effects as a prophylactic or given very early in the infection. […]”. 11 de outubro de 2020.

Outros

  1. Sociedade Brasileira de Infectologia. “Informe n° 16 da Sociedade Brasileira de Infectologia sobre: Atualização sobre a hidroxicloroquina no tratamento precoce da Covid-19”. 17 de julho de 2020.

  2. Nicholas White on the use of chloroquine and hydroxychloroquine for prevention of Covid-19”. Nota Bene, 8 de agosto de 2020.

  3. James Watson on the behalf of 201 signatories. “An open letter to Mehra et al and The Lancet”. Zenodo, 28 de maio de 2020.


Celulares pequenos: o retorno do rei

Em 2018, desapontado com a falta de celulares pequenos no mercado, escrevi:

Mas vejo pelo menos dois possíveis cenários para uma volta do iPhone SE: como um celular pequeno e caro ou como um celular grande e barato.

No primeiro caso, o iPhone SE seria basicamente uma versão reduzida do iPhone XS ou do iPhone XR. Ele teria uma tela ocupando quase toda a superfície do aparelho e tecnologias avançadas como o Face ID. Inevitavelmente, seu preço seria alto. Esse é o meu cenário favorito, mas parece ser também o mais improvável. De qualquer maneira, se a ideia da Apple é investir em aparelhos mais caros, então essa é a nossa esperança de um iPhone pequeno.

O segundo cenário não é tão impossível. Nele, o iPhone SE ocuparia o lugar do iPhone 7 e do iPhone 8 como o celular “barato” da Apple, assim como ocorreu em 2016, quando ele substituiu o iPhone 5S. O problema é que, nesse caso, o iPhone SE certamente usaria o mesmo corpo do iPhone 7 – ou seja, seria grande o suficiente para desagradar os entusiastas de celulares pequenos.

Em 2020, os dois cenários se concretizaram. O primeiro, com o iPhone 12 Mini, revelado em outubro; o segundo, com a nova geração do iPhone SE, lançada em abril.

A coisa ficará melhor quando o iPhone Mini virar o novo iPhone SE. Se isso ocorrer, novamente teremos no mercado um bom celular pequeno e “barato” – como a primeira geração do iPhone SE. (Só em 2024? Espero que não.)

Quem sabe isso finalmente estimule o lançamento de bons modelos compactos com Android – o último parece ter sido o Sharp Aquos R2 Compact, lançado em 2018. Mas não tenho muitas esperanças.

Por enquanto, o iPhone volta a reinar sozinho entre os compactos. A falta de concorrência é triste, mas, se não fosse pela Apple, esse reino nem existiria mais.


Melhores colunas: suspensão

A seleção Nota Bene de melhores colunas de análise e opinião do Brasil está suspensa por tempo indeterminado.

Ela começou como uma lista privada, para uso próprio – achava conveniente ter uma página com links para as minhas colunas favoritas, até por não ser muito fã de agregadores de feeds. Esse continuou a ser o seu principal propósito mesmo após se tornar pública. Com o tempo, porém, passei a ler cada vez menos colunas – e a seleção perdeu a sua razão de ser.

(Por motivo semelhante, têm sido raras as atualizações no YouTube.)


Estátuas de racistas: dois textos sobre a polêmica

Meses atrás tivemos a polêmica da derrubada de estátuas que homenageiam racistas. Estes são dois dos melhores textos brasileiros que li sobre o assunto.

Demétrio Magnoli, na Folha de S.Paulo:

Uma estátua erguida no passado não representa uma celebração presente de um personagem ou de uma ideologia, mas apenas a prova material de que, um dia, em outra época, isso foi celebrado.

[…]

A transferência das estátuas malditas para museus ou parques temáticos, retirando-as de seus contextos, tem efeito similar. Num caso, como no outro, trata-se de higienizar os lugares de circulação cotidiana, reservando o exercício da memória a uma elite de especialistas da memória.

Rhodes, o pecador, não está só. De Pedro, o Grande, a Thomas Jefferson, de Marx a Churchill, de Machado de Assis a Monteiro Lobato, ninguém passa no teste contemporâneo dos valores.

A lógica férrea do vandalismo do bem conduz a um programa de terra arrasada. O rastilho de fogueiras purificadoras nada poupará, a não ser as novas estátuas esculpidas pelos próprios vândalos do bem, que virão a ser derrubadas por seus futuros seguidores. O presente perpétuo —eis a perigosa ambição dessa seita de iconoclastas.

[…]

Quem tem o direito moral de suprimir os lugares da memória? Se concedermos esse direito aos vândalos do bem, como negá-lo a governos eleitos democraticamente?

Paulo Pachá e Thiago Krause, na Época:

As respostas encontradas nos jornais frequentemente têm sido negativas, argumentando que a derrubada de estátuas significaria a vitória do revisionismo por meio da tentativa de apagar a história e reescrever o passado, projeto supostamente autoritário e anacrônico, pois fundado em uma visão que julga o passado com os olhos de hoje.

O que esses argumentos ignoram são os fundamentos da própria historiografia, aqui entendida como a escrita da história baseada em metodologias e evidências aceitas pelos profissionais da área. Assim, a prática historiográfica é essencialmente revisionista: nós estamos sempre revisando nossos conhecimentos e interpretações sobre o passado. Essa revisão é determinada pelas relações sociais do presente, pois a sucessiva reescrita da história a partir do desenvolvimento de novas questões e interpretações está no cerne do trabalho dos historiadores.

[…]

Assim, a remoção dos monumentos também expressa uma transformação das relações e dos valores sociais. Erigir uma estátua é fazer história, derrubá-la também. Esses momentos são exatamente o contrário do apagamento, pois suscitam debates que geralmente permanecem adormecidos quando se discute o que a sociedade quer valorizar e comemorar.

Já a ideia de que seria anacrônico condenar personagens históricos erra em outra frente, pois ignora que havia outras moralidades possíveis na própria época em que essas figuras viviam. […] O espantalho do anacronismo frequentemente não passa de uma adoção irrefletida da perspectiva dominante que perpetua a negação da alteridade.

[…]

A constante reavaliação do passado nacional e a progressiva crítica de seus mitos é uma das marcas de uma democracia madura. O reconhecimento da inadequação de homenagens públicas realizadas no passado não significa apagamento, mas reparação de alguns dos muitos equívocos cometidos por nossos antepassados. […] O verdadeiro projeto de apagar a história é aquele que a vê como estática e pretende nos manter presos às visões superadas de uma historiografia laudatória dos heróis e mitos nacionais, que excluem e violentam a memória de diversos grupos sociais — em especial negros, indígenas e mulheres — reproduzindo no presente as desigualdades herdadas do passado.


Melhores colunas: atualização

A seleção Nota Bene de melhores colunas de análise e opinião do Brasil recebeu uma grande atualização.

Eis as novidades. Para ver a lista completa de alterações, clique aqui.

Inclusões:
– Conrado Hübner Mendes (Folha de S.Paulo)
– Drauzio Varella (Drauzio Varella)
– Filipe Campante (Nexo)
– Marta Arretche (Nexo)
– Maria Hermínia Tavares (Folha de S.Paulo)
– Pedro Fernando Nery (O Estado de S. Paulo)
– Sérgio Praça (Exame)
– Solange Srour (Folha de S.Paulo)

Exclusões de “Magna cum laude”:
– Fabio Giambiagi (Valor Econômico)
– Fernando Limongi (Valor Econômico)
– Paulo Vinicius Coelho (UOL)

Exclusões de “Cum laude”:
– Antônio Gois (O Globo)
– Antonio Nucifora (Folha de S.Paulo)
– Celso Rocha de Barros (Folha de S.Paulo)
– Cepesp (Jota)
– Cláudia Collucci (Folha de S.Paulo)
– Cláudia Costin (Folha de S.Paulo)
– Cláudio Gonçalves Couto (Valor Econômico)
– Conrado Hübner Mendes (Época)
– Dalmo de Abreu Dallari (Jota)
– Eliane Brum (El País)
– Fernando Dantas (O Estado de S. Paulo)
– Fernando Henrique Cardoso (El País, O Globo)
– João Pereira Coutinho (Folha de S.Paulo)
– Lúcio de Castro (Sportlight)
– Mathias Alencastro (Folha de S.Paulo)
– Míriam Leitão (O Globo)
– Monica de Bolle (O Estado de S. Paulo, Época)
– Pedro Fernando Nery (Brasil, Economia e Governo)
– Renato Rodrigues (ESPN)
– Roberto Rodrigues (O Estado de S. Paulo)
– Ricardo Perrone (UOL)
– Sérgio Lazzarini (Veja)
– Sérgio Praça (Veja)
– Supra (Jota)
– Vinicius Torres Freire (Folha de S.Paulo)

Exclusão de “Traduções”:
– Paul Krugman (Exame, Folha de S.Paulo)

Fim das divisões “Magna cum laude”, “Cum laude” e “Traduções”.

Atualização do texto sob “Informações”.

Atualização de links.