Juliano Spyer sobre os evangélicos

No ano passado, Juliano Spyer lançou Povo de Deus, livro sobre os evangélicos no Brasil. A divulgação contou com diversas entrevistas, e a minha favorita foi a da DW Brasil.

E nessa igreja você dá voz à sua religiosidade profunda, é ouvido como pessoa, não como número ou funcionário, põe para fora suas inquietações, frustrações e dores. Além disso, há uma rede de ajuda mútua: quando o marido fica desempregado e se arruma emprego, o filho se envolve com drogas e encontra um lugar para ser tratado, o marido que batia na mulher encontra caminhos para negociar uma harmonia em casa. É um estado de bem-estar social informal.

Esse cristianismo tem consequência direta na estabilização da vida de pessoas em situação de vulnerabilidade.

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[As classes média-alta e alta t]êm uma visão estereotipada, pouco esclarecida e muito arrogante. Veem ou como o evangélico do mal, o sujeito manipulador da fé que ganha dinheiro e se usa da ingenuidade popular, ou como o evangélico do bem, o coitadinho que precisou se apegar a isso. Mesmo quando se tem uma visão benigna, é prepotente.

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No Brasil, de um lado você tem um governo que demonstra respeito pelos valores dessa população [evangélica]. E do outro lado tinha o outro candidato, Fernando Haddad. Não sou antipetista e não falo isso como crítica pessoal, mas ele cometeu um erro ao chamar o bispo Edir Macedo de charlatão. Havia mulheres da Igreja Universal batalhando dentro dos seus espaços de culto para defender um candidato que era alternativa ao Bolsonaro que, com essa declaração, perderam essa possibilidade, pelo argumento de “como votar em alguém que nos desrespeita”.

Spyer acha que a do Estadão foi melhor.

A conversão também é um ato inteligente, e não apenas de fé, que traz benefícios à vida do brasileiro mais pobre. No final dos 18 meses, descobri que várias das pessoas da igreja evangélica com quem me relacionava tinham participado de organizações criminosas e sido presas. E eram ótimos pais, esforçados, generosos. É a principal maneira para reinserir na sociedade pessoas que estiveram envolvidas com violência, com drogas. O cristianismo evangélico produz esse tipo de mudança. O sujeito para de beber, para de bater na mulher, estimula o filho a ir para a escola, cria relações familiares de parceria, de cooperação. A igreja estimula essa transformação, você não vai mudar de vida quando morrer, você pode mudar de vida agora. Pode parecer simplório, mas oferece um senso de auto-estima, cria um contexto para grandes transformações. E a igreja te oferece apoio e uma rede de afetos para fazer isso – porque, muitas vezes, as pessoas se afastam dos antigos amigos e até da família.

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A bancada evangélica não é a bancada dos evangélicos. O exemplo mais conhecido é o de Marina da Silva (que, embora seja evangélica não se alinhava à bancada evangélica quando foi parlamentar). Existem mais nuances do que a gente geralmente conhece, mesmo dentro da própria bancada. Uma estrutura ganha poder que se desdobra em muitos ângulos, que passa a se reproduzir e tomar conta do espaço público. Mas passa a se pautar pelos líderes das igrejas, não por seus eleitores. Esse é o fenômeno triste e que merece atenção: até que ponto atuam em benefício das pessoas que votaram neles? A bancada acaba se aproximando de outros grupos conservadores da elite do Brasil, como a bancada da bala, a bancada do boi, os interesses da igreja, da moral e se distanciando imensamente das pautas que favorecem o grupo que os elegeu, que são os pobres, como o combate à corrupção. A gente precisa refinar o nosso entendimento para separar esse termo tão amplo, evangélico, que se aplica a tudo e se transformou quase em um xingamento, para olhar para o projeto de poder de determinadas igrejas. É um grupo que é diferente da gente em termos de visão de mundo e valores. Mas essas coisas estando separadas, vamos conseguir lidar com ele de forma interessante. A mídia tem parte nisso; a maioria das notícias critica ou demoniza os evangélicos. Invasão e destruição de terreiro é crime, lógico, mas não dá para culpar um grupo tão extenso, múltiplo e variável. Essa mistura de preconceito com discordância acaba fortalecendo os grupos mais conservadores.

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Em termos de convívio e troca conhecemos muito pouco desse outro Brasil, onde prospera o cristianismo evangélico. E esse grande Brasil, que não é a USP, a Unicamp, a Vila Madalena, o Leblon, precisa ser abraçado.

No mês passado, Spyer publicou um texto com alguns dos argumentos apresentados no livro.

Além de não se interessarem pelo tema, intelectuais, formadores de opinião, jornalistas e pessoas com maior escolaridade em geral expressam desprezo pelos evangélicos em conversas privadas. […] Ao evocar uma imagem caricata e ingênua de “evangélicos”, sugere-se que o problema a ser combatido seja a religião e não o posicionamento de certas lideranças religiosas. E eventualmente os críticos cometem o mesmo tipo de incitação ao preconceito que eles acusam evangélicos de cometer.

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As possibilidades abertas aos convertidos de levarem vidas mais seguras e disciplinadas torna o evangélico um funcionário desejado. Observei isso junto acontecer nos maiores negócios da área onde morei, na costa ao norte de Salvador, conhecida como “Costa dos Coqueiros”. […] Para incentivar a permanência no emprego de funcionários evangélicos, alguns dos principais hotéis abriam salas para a realização de cultos aos funcionários evangélicos que trabalham no período noturno ou nos finais de semana.

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Entre várias as consequências positivas da adoção do cristianismo evangélico nos bairros pobres brasileiros — que apresento em detalhes no livro — estão a redução da violência doméstica, o fortalecimento da disciplina no trabalho, o investimento na própria família, o fortalecimento da posição da mulher na família e no mundo do trabalho, o aumento da alfabetização de adultos e valorização da educação, e ajuda para a recuperação de presos e dependentes químicos.

(Todos os grifos são meus.)

Nos trechos acima, Spyer cita o preconceito aos evangélicos nas classes média-alta e alta e entre “intelectuais, formadores de opinião, jornalistas e pessoas com maior escolaridade”. Tenho a impressão de que ele é comum mesmo fora desses grupos.