Paying people to be vaccinated could backfire

By George Loewenstein and Cynthia Cryder, in the New York Times:

Two prominent economists, N. Gregory Mankiw and Robert Litan, and the politicians John Delaney and Andrew Yang have proposed or supported paying Americans to receive the vaccine. At first glance, this seems like a reasonable idea; economics teaches us that people respond to incentives. But behavioral research suggests this strategy could backfire.

Humans don’t respond to incentives like rats pressing levers for food; they try to interpret what being offered payment means. In this case, the offer risks implying that the vaccine is not a thing of value.

[…]

A more promising approach might be to make desired activities, such as travel, contingent on vaccination. […] If a vaccination becomes associated with enjoyable outcomes, such as travel and access to large public events, vaccination itself will become positively valued. When people perceive the various benefits of vaccination, skepticism is likely to evaporate, at least for some.


Agnes Callard: ‘I want you to listen’

In the New York Times:

For you, there is only one question: how much suffering can she legitimately lay claim to?

You are so busy trying to answer this question — trying to serve as judge in the pain/suffering/disadvantage Olympics — that you cannot hear anything I am trying to tell you. And that means I can’t talk to you. No one can sincerely assert words whose meaning she knows will be garbled by the lexicon of her interlocutor.


A miséria da crítica jornalística

Fechar os olhos para erros e imprecisões é péssimo para o jornalismo; pior para uma ombudsman

No fim de dezembro, a Folha de S.Paulo publicou uma versão resumida do meu artigo “A imprensa e a hidroxicloroquina“, no qual mostrei erros do jornal na cobertura sobre o medicamento.

Era uma crítica jornalística, não uma defesa do uso da droga, como muitos erroneamente entenderam. Não me posicionei sobre essa questão. O foco era outro: os erros da imprensa.

Até para evitar esse desentendimento, destaquei a posição de um especialista em hidroxicloroquina que é contra o seu uso fora de ensaios clínicos. E não disse se concordo ou discordo dele, pois isso pouco importava para a discussão.

Não adiantou. Errei. Deveria ter sido mais explícito. Expressei-me mal e subestimei o viés cognitivo que leva pessoas a interpretar equivocadamente a apresentação de ideias contrárias às delas. O texto original é bem mais nuançado (irônico, eu sei) e detalhado, por isso acredito que boa parte das discórdias deveu-se a erros que cometi ao tentar sintetizá-lo.

Deparei-me ainda com muitas afirmações vagas e imprecisas, que nada acrescentam e só agradam a torcedores que aplaudem de maneira quase automática qualquer defesa de suas opiniões, mesmo quando mal argumentada.

A ombudsman da Folha, em seu texto mais recente, apelou para essa retórica. Disse que o meu artigo “enxerga erro onde ele não existe” sem apontar especificamente onde errei – uma acusação vaga. Em contraste, fui explícito e exato ao mostrar as falhas do jornal.

No único trecho em que foi mais específica, ela errou. Disse que uma das reportagens citadas “apresenta todos os elementos de que o autor diz sentir falta na cobertura”. A reportagem de fato tem elementos ausentes em outros textos, mas o erro que apontei nela foi outro: o ceticismo parcial, com citação a um estudo fraudulento com resultados contra a hidroxicloroquina.

A colunista ignorou essa grave falha (e todas as outras) e desviou o foco para os pontos positivos da reportagem, uma decisão no mínimo curiosa para uma ombudsman.

Será que, para ela, ser cético com apenas um dos lados do debate é um erro que “não existe”? Citar como legítimo um estudo fraudulento é um erro que “não existe”? A que ponto chegamos: uma ombudsman que fecha os olhos para os erros do próprio veículo.

Ironicamente, quem apontou um erro que não existe foi ela, ao acusar a Folha de “recorrer novamente à fórmula” de opor “um texto a favor, outro contra” o medicamento.

Meu artigo não era contra ou a favor da hidroxicloroquina; era simplesmente contra a cobertura que a imprensa tem feito. Na versão publicada no jornal, destaquei um cientista que é contra o uso da droga fora de ensaios clínicos. Como a opinião dele “poderia pôr em risco a saúde de muitos”, como sugere a ombudsman?

Muitos leitores acharam que defendi o uso da hidroxicloroquina, mas eles apenas interpretaram mal o texto resumido, publicado na Folha. O caso da ombudsman é bem pior, pois ela leu a versão mais longa, que praticamente não dá margem para essa leitura equivocada (digo explicitamente: “Não quero defender aqui nenhuma das posições apresentadas”).

Quando lhe enviei o texto completo, em novembro, ela me respondeu como se eu estivesse apoiando o uso do medicamento e – assim como depois faria em sua coluna – não abordou nenhum dos pontos por mim levantados. Disse-lhe, então: o texto não é uma defesa da droga. Mesmo depois disso, ela insistiu nessa interpretação equivocada em sua coluna. O que explica um absurdo desses?

Ela ainda escreveu o seguinte:

Muitos leitores me mandam textos para publicação e encaminho as sugestões para a seção Tendências / Debates ou para a editoria correspondente.

Para ficar em um exemplo mais recente, o ex-ministro Aloizio Mercadante pediu (e não levou) espaço para questionar a reportagem cujo título nas redes foi “Década colocou os negros na faculdade, e não (só) para fazer faxina“, e cuja façanha é não mencionar, em nenhum momento, que a Lei de Cotas foi aprovada no governo Dilma Rousseff.

O texto sobre a cloroquina foi mandado à ombudsman e encaminhado à seção Tendências / Debates. Teve mais sorte.

Esse trecho é curioso. Primeiro, a sua utilidade no artigo é praticamente nula. Mercadante levou uma cutucada gratuita, e a citação a ele ainda gerou um “erramos“.

Segundo, a ombudsman deu a entender que encaminhou o meu texto à seção “Tendências / Debates”. E emendou com isto:

A decisão sobre o que é publicado na seção Tendências / Debates cabe à editoria de Opinião, ouvida a Direção de Redação. Entre os critérios para a escolha estão qualidade do artigo, relevância e oportunidade do tema e representatividade do autor—fatores que tornam a publicação do texto ainda mais intrigante.

Se o meu artigo não tinha qualidade, se o tema não tinha relevância e se eu não tenho “representatividade” (?), por que ele foi encaminhado para “Tendências / Debates”? Se a ombudsman achou o meu texto tão ruim, nem deveria ter perdido tempo encaminhando-o, certo?

Ou será que não foi ela quem o encaminhou? Nesse caso, deveria ter sido mais clara no trecho anterior.

A menção a “representatividade” beira um ataque pessoal e pouco acrescenta ao debate. Muitos costumam avaliar um discurso baseados principalmente nas posições defendidas e nas credenciais de seus autores, não na qualidade dos argumentos. A ombudsman parece cometer esse equívoco.1 Se o meu texto adotasse o mesmo discurso equivocado que domina a imprensa (e seria muito fácil redigir um assim), minha “representatividade” provavelmente passaria longe de ser questionada.

A colunista também foi vaga ao tentar explicar a “intrigante” publicação do meu texto – em vez de investigar e revelar os reais motivos (eu adoraria conhecê-los), limitou-se a citar uma série de hipóteses. Uma delas seria a “tentativa […] de colher mais um punhado de cliques”.2 Não deve ser (apenas) isso, pois o artigo foi publicado também no jornal impresso.

Ela ainda falou em “consenso da comunidade científica” sem mostrar evidências desse consenso nem explicar que comunidade é essa. Como esse consenso foi mensurado, exatamente? O “dissenso merece um tratamento mais cuidadoso”, reclamou. Dissenso em relação ao quê? Só se for a um aparente consenso jornalístico.

Afinal, como seria possível falar em consenso científico quando há tanta discordância entre pesquisadores qualificados? A incerteza aparece explicitamente mesmo em estudos com resultados contra o uso da hidroxicloroquina e em declarações dos seus autores.

Peter Horby, condutor do importante estudo Recovery, não descarta a possibilidade de que uma dose mais baixa da droga ou o tratamento em fases mais iniciais da doença possam “ter um efeito diferente daqueles observados” em seu ensaio.

David Boulware, que trabalhou em vários estudos, também não descarta a possibilidade de o medicamento ter algum efeito. É possível que ele “seja mais eficaz em populações com maior risco de complicações”, diz um de seus trabalhos.

As diretrizes da Organização Mundial de Saúde dizem que “a hidroxicloroquina e a cloroquina provavelmente não reduzem a mortalidade ou a ventilação mecânica e podem não reduzir a duração da hospitalização_” e que “o efeito sobre outros resultados […] permanece incerto” (grifos meus).

Uma réplica ao meu artigo afirmou que toda essa incerteza seria “irrelevante o suficiente para que a imprensa possa tratar essa ineficácia como ‘comprovada'”. Incrivelmente, a ombudsman aparentou concordar com isso. Tratar incerteza como algo comprovado, para mim, é erro. É descrição imprecisa da realidade, outro mal comum no jornalismo. Aprovar uma atitude dessas é incentivar mais imprecisão no jornalismo, e disso ele já está cheio. (Os poucos colegas que fiz na profissão podem atestar a minha intolerância a erros e imprecisões.)

Com comparações exageradas, a réplica ainda pareceu ignorar a possibilidade de fazer uma cobertura cética sem ressalvas absurdas. Sobre o assunto, vale ler o texto “Science journalism and the art of expressing uncertainty” (jornalismo de ciência e a arte de expressar incerteza), do estatístico Andrew Gelman, que contém boas sugestões para melhorar o trabalho dos jornalistas. O ceticismo, diz ele, deve ser exercido para transmitir aos leitores “uma sensação de incerteza, que é central para o processo científico”.

A crítica jornalística praticamente inexiste nos veículos tradicionais da imprensa brasileira. O principal espaço para esse exercício é, provavelmente, a coluna da ombudsman na Folha. A sua atual titular abusa de acusações vagas, fecha os olhos para os erros do seu veículo e, pelo visto, até apoia um jornalismo mais impreciso – desde que não contrarie certo discurso.

Um momento desalentador para o jornalismo e a crítica de mídia no Brasil.

Críticas são bem-vindas, desde que bem fundamentadas. Vale repetir: as pessoas precisam dar mais valor à qualidade dos argumentos e menos às posições defendidas e às credenciais de seus autores.


  1.  Esse é outro defeito comum no jornalismo. Há muito espaço para pessoas com “representatividade” e argumentos ruins e pouco espaço para desconhecidos com argumentos bons. Mas isso fica para outra discussão.

  2.  Não nego que ficaria desapontado se os cliques fossem o principal motivo da publicação – são um dos principais motivos pelos quais me afastei do jornalismo online.