Em setembro de 2012, um anúncio da Apple mostrava o então recém-lançado iPhone 5, com tela de 4 polegadas e dimensões de 123,8 × 58,6 × 7,6 mm, sendo utilizado com apenas uma mão. Aquele tamanho, dizia o vídeo, não era coincidência, mas “bom senso”.
Hoje, seis anos depois, os menores modelos de iPhone à venda têm tela de 4,7 polegadas e medem 138,4 × 67,3 × 7,3 mm. O mais recente deles, o iPhone 8, foi lançado no ano passado – os deste ano são todos maiores. E a homepage do site da Apple diz: “Bem-vindo às telonas”.
O que aconteceu com o tal “bom senso”?
Ele começou a ser deixado de lado já em 2014, quando a Apple lançou não apenas um, mas dois aparelhos bem maiores que o iPhone 5: o iPhone 6 e o iPhone 6 Plus. E teve o seu fim decretado no último dia 12, com o fim das vendas do iPhone SE, o último com design externo semelhante ao do iPhone 5. O último celular bom e pequeno do mercado. O último celular com “bom senso”.
Como desgraça pouca é bobagem, os três novos modelos de iPhone anunciados na semana passada são todos gigantes: o iPhone XS, o iPhone XS Max e o iPhone XR. O primeiro, que é o menor deles, tem tela de 5,8 polegadas e mede 143,6 × 70,9 × 7,7 mm.
Assim, 12 de setembro de 2018 pode ficar marcado como o dia da morte dos celulares pequenos. Uma data triste para fãs de modelos compactos, pessoas com “bom senso” que há anos lamentavam a tendência de aparelhos cada vez maiores. O iPhone SE representava o nosso último bastião de resistência.
Por que celular pequeno?
Com o crescimento do tamanho dos celulares, há quem ache curiosa a preferência de algumas pessoas por aparelhos menores. Maior é melhor, tela normal é tela grande; por que, então, usar um modelo pequeno?
Antes de responder essa pergunta, esclareço: quando digo “pequenos”, quero dizer pequenos de verdade, com no máximo 130 mm de altura. Reforço esse ponto porque os celulares cresceram tanto que as referências ficaram completamente distorcidas – ao pesquisar modelos “pequenos” na web, deparo-me com listas que incluem o iPhone 8 e o Pixel 2, um absurdo.
Dito isso, vamos à resposta. A grande vantagem dos celulares pequenos é, obviamente, a portabilidade – devido ao seu tamanho e peso, é mais fácil guardá-los e carregá-los. Cabem facilmente no bolso e atrapalham menos a atividade física. É muito mais agradável correr sem um trambolho pulando com o corpo. Valorizo bastante esse ponto e, até para não aumentar o tamanho e o peso do aparelho, prefiro usá-lo sem capa protetora.
Também há os que valorizam a facilidade de usar o aparelho com apenas uma mão – como mostra o anúncio da Apple mencionado no início do texto.
Os compactos podem também ser mais discretos, embora agora chamem certa atenção por serem minoria em um mar de telas gigantes. E talvez incentivem menos o seu uso – ou seja, além de ocuparem menos espaço, eles tomariam menos tempo da sua vida.
Mas não é isso que a maioria das pessoas quer. Elas passam cada vez mais tempo com os olhos e os dedos no celular, principalmente em atividades que se beneficiam muito de telas maiores, como troca de mensagens e entretenimento com vídeos, games e redes sociais. Uma tela pequena pode ser frustrante para quem digita bastante e assiste a muitos vídeos.
Além disso, para muitos, o celular é o seu principal computador, e eles preferem fazer o máximo de coisas em uma única tela. Nesse caso, faz mesmo sentido ter um aparelho maior.
Acredito que donos de celulares pequenos prefiram dividir as tarefas em diferentes telas – o tablet para ler textos, a TV para assistir a vídeos, o e-reader para ler livros, o computador para coisas que envolvam digitação etc. Pelo menos esse é o meu caso. Evito ver vídeos no celular e, quando possível, uso o PC para responder as mensagens que recebo. Não tenho games nem aplicativos de redes sociais instalados. Um aparelho pequeno é ótimo para o meu uso.
Mas não basta ser pequeno. Tem que ser bom. E o único aparelho que juntava (e ainda junta, de alguma maneira) essas duas características era o iPhone SE.
iPhone SE
Uso o iPhone SE desde 2016, ano em que foi lançado. Com o consagrado design externo do iPhone 5 (provavelmente o último celular projetado sob supervisão de Steve Jobs) e componentes internos semelhantes ao do iPhone 6S (topo de linha na época do seu lançamento), ele era uma boa opção tanto para fãs de celulares pequenos quanto para consumidores que buscam aparelhos mais baratos (ou menos caros).
Apple iPhone SE
- Sistema operacional: iOS 11.4.1 (originalmente iOS 9.3)
- Tela: LCD, 4 polegadas, 1136 × 640 pixels (326 pixels por polegada)
- Chip: Apple A9 (CPU Apple Twister, GPU Imagination Technologies PowerVR GT7600)
- Armazenamento: 32 GB e 128 GB (originalmente 16 GB e 64 GB)
- Memória: 2 GB
- Câmera traseira: 12 megapixels, ƒ/2.2, 29 mm, vídeo até 2160p com 30 fps
- Câmera frontal: 1,2 megapixel, ƒ/2.4, 31 mm, vídeo até 720p com 30 fps
- Tamanho: 123,8 × 58,6 × 7,6 mm
- Peso: 113 gramas
Lamento muito o seu fim. Minha experiência com ele tem sido muito positiva.
O hardware é excelente. O visual é bonito e marcante, uma evolução do histórico design apresentado no iPhone 4. O iPhone SE foi o último celular da Apple com um corpo realmente distinto e único antes do iPhone X – bem diferente dos modelos 6, 7 e 8, que de relance podem ser confundidos com aparelhos de outras marcas.
Mas ele não é só aparência. A construção é sólida, a câmera é muito boa. O processador, topo de linha na época do lançamento, ainda apresenta bom desempenho. O ponto negativo fica para a câmera frontal, que tem resolução muito baixa.
Para entusiastas de compactos, o iPhone SE era a única alternativa possível. Tanto é assim que decidi comprá-lo mesmo preferindo Android a iOS. Não havia e não há no mercado aparelhos bons e pequenos com o sistema do Google.
Foi uma escolha um pouco difícil, mas rápida.
Difícil porque gosto bastante do Android – usei-o na maioria dos meus celulares e até em alguns tablets. Porém, assim como a carência de bons tablets com Android me levou a comprar um iPad, a falta de bons celulares pequenos com o sistema do Google me levou ao iPhone SE.
A escolha foi rápida pela simples falta de alternativas.
O que eu buscava em 2016? Um aparelho pequeno e com hardware avançado, “high-end”. Que opções eu tinha além do iPhone? A que chegava mais perto do que eu procurava era o Xperia Z5 Compact, da Sony, mas ele não foi lançado no Brasil. De resto, os modelos pequenos tinham especificações muito básicas ou mesmo defasadas.
Era uma situação triste e irônica. Uma das grandes vantagens do Android é justamente a sua variedade de modelos, mas nenhum deles me satisfazia, e o aparelho que mais se aproximava das minhas exigências era feito pela Apple, empresa com fama de limitar as escolhas de seus usuários.
Hoje a situação piorou. A Sony voltou a vender a linha Compact no Brasil, mas o aparelho espichou – em termos de tamanho, o Xperia XZ2 Compact está mais próximo do iPhone 8 que do iPhone SE. E a Apple parou de vender este.
Baixa demanda
Por que existe essa carência de aparelhos bons e pequenos? A resposta mais óbvia é baixa demanda.
O consumidor gosta de telas grandes. Vale lembrar que, por um tempo, a Apple resistiu à tendência de celulares cada vez maiores, mas, aos poucos, ela cedeu e também aumentou o tamanho de seus principais modelos.
Claro, o tal “bom senso” era uma jogada de marketing da Apple, mas a empresa parecia realmente acreditar que um celular não devia ser muito grande. Em 2010, quando seu principal aparelho era o iPhone 4 (tela de 3,5 polegadas e dimensões de 115,2 × 58,6 × 9,3 mm), rivais como Samsung e Motorola já lançavam aparelhos maiores, e Steve Jobs criticou a ideia de fazer celulares grandes. Disse que não seria possível colocar a mão ao redor deles e que ninguém iria comprá-los. Chegou até a compará-los aos gigantescos veículos da Hummer.
Mas as pessoas queriam celulares grandes. Talvez muitos consumidores tenham começado a comprar aparelhos com Android exatamente por causa de suas telas maiores. A Apple, então, decidiu perder o “bom senso”.
Aos poucos, os compactos de todas as marcas foram sendo relegados a categorias inferiores, com hardware mais limitado e simples. Hoje a variedade de celulares pequenos é baixa mesmo entre os modelos mais básicos.
O interesse por aparelhos menores ainda existe, claro – não é difícil encontrar, em sites de tecnologia e comunidades como o Reddit, apelos por compactos com Android e elogios ao tamanho do iPhone SE. Mas parece ser restrito a um pequeno número de consumidores.
Fim do iPhone barato
A Apple não divulga os números de venda de cada modelo de celular, mas sabemos que, pelo menos no início, o sucesso do iPhone SE surpreendeu a própria empresa – o CEO, Tim Cook, admitiu que teve dificuldades para atender à demanda pelo aparelho, que foi além da prevista. Esse sucesso não foi grande o suficiente para convencer a Apple de que valia a pena manter no mercado um celular que, além de pequeno, era relativamente barato – nos EUA, a operadora AT&T tem vendido o iPhone SE por US$ 50 em plano pré-pago.
O baixo preço do iPhone SE também pode ter contribuído para o seu fim.
Alguns analistas viam o aparelho não tanto como uma opção para entusiastas de compactos, mas principalmente como uma alternativa mais barata, voltada a consumidores de menor renda – ou que não queriam gastar tanto com um celular.
Ben Thompson, que escreve o Stratechery, chegou a comparar a decisão da Apple em lançar o iPhone SE com a da Intel em lançar o chip Celeron, em 1998 – um produto mais barato, com margens menores de lucro e potencial para “canibalizar” os modelos mais rentáveis da marca, mas que permitiria à empresa continuar a crescer ao alcançar consumidores mais sensíveis ao preço.
A estratégia atual da Apple, porém, é crescer investindo em aparelhos mais caros, observa Thompson em seu texto mais recente. No ano passado, ela lançou o iPhone X, celular mais caro da sua história. O resultado? Um aumento do preço médio de venda (ASP, na sigla em inglês) de seus celulares e, consequentemente, da receita gerada por eles – mesmo sem grandes mudanças no número de unidades vendidas. Tanto o ASP quanto a receita dos celulares da Apple não cresciam desde 2015. A nova estratégia deu certo.
Dentro desse contexto, o fim do iPhone SE faz ainda mais sentido.
Futuro
Existe alguma esperança para os fãs do iPhone SE e de celulares pequenos em geral?
Muito pouca. Mas vejo pelo menos dois possíveis cenários para uma volta do iPhone SE: como um celular pequeno e caro ou como um celular grande e barato.
No primeiro caso, o iPhone SE seria basicamente uma versão reduzida do iPhone XS ou do iPhone XR. Ele teria uma tela ocupando quase toda a superfície do aparelho e tecnologias avançadas como o Face ID. Inevitavelmente, seu preço seria alto. Esse é o meu cenário favorito, mas parece ser também o mais improvável. De qualquer maneira, se a ideia da Apple é investir em aparelhos mais caros, então essa é a nossa esperança de um iPhone pequeno.
O segundo cenário não é tão impossível. Nele, o iPhone SE ocuparia o lugar do iPhone 7 e do iPhone 8 como o celular “barato” da Apple, assim como ocorreu em 2016, quando ele substituiu o iPhone 5S. O problema é que, nesse caso, o iPhone SE certamente usaria o mesmo corpo do iPhone 7 – ou seja, seria grande o suficiente para desagradar os entusiastas de celulares pequenos.
Assim, se tivesse que apostar na volta do iPhone SE, colocaria as minhas fichas em seu retorno como um celular grande e barato. Mas acredito que o mais provável mesmo é a Apple não o ressuscitar.
O iPhone 7 é, hoje, o sucessor espiritual do iPhone SE em relação ao preço. Infelizmente, a Apple não se interessou em fazer um sucessor em termos de tamanho.
Fãs de celulares compactos esperávamos que o lançamento do iPhone SE pudesse incentivar outras empresas a investir em aparelhos bons e pequenos. Não foi o que aconteceu. Durante toda a sua vida, o iPhone SE reinou sozinho entre os compactos. E poderia continuaria a reinar.
Mas esse parece ser um reino que não interessa mais a ninguém.
Uma versão editada deste texto foi publicada no UOL.
[Atualização – 21/12/2020] Novo texto: “Celulares pequenos: o retorno do rei”