Fantasmas do racismo

Lilia Moritz Schwarcz, no Nexo:

Em 2009, o Brasil registrou mais de 191 milhões de habitantes, um aumento de 26% se comparado à população em 1995. Dentre as novidades do censo, uma delas chamava particular atenção: o aumento proporcional da população negra (preta e parda) no país. Em 1995, 44,9% dos brasileiros declaravam-se negros; em 2009 este percentual subiu para 51,1%, enquanto a população de brancos caiu de 54,5% para 48,2%.

Esta elevação não decorre, porém, do aumento da taxa de fecundidade da população negra, mas antes de mudanças comportamentais e na forma como essas pessoas têm se autodeclarado. Ou seja, desde que no final dos anos 1970 assistimos à emergência de uma agenda de direitos civis – pautada no direito à diferença na igualdade – brasileiros têm mudado seus critérios de autodefinição.

Se tal fato permite prever uma maior flexibilidade nos padrões de classificação, já outros resultados sinalizam para uma persistente e incômoda exclusão racial.

Os fantasmas:

De um lado, essa mescla gerou uma sociedade definida por uniões, ritmos, artes, esportes, aromas, culinárias e literaturas realmente misturados. De outro, produziu um país que delega para a polícia o papel de performar a discriminação, como nos atos de intimidação – as famosas batidas policiais –, os quais selecionam sempre mais negros do que brancos.

Continuamos combinando inclusão cultural com exclusão social – mistura com separação – e carregando grandes doses de silêncios e não ditos. Por isso mesmo, não basta culpar o passado e fazer as pazes com o presente; o qual, aliás, anda repleto de passado. Toni Morrison, no romance Amada, conta a história da Casa 124 que era habitada por duas mulheres e seus fantasmas vindos do passado: violências, estupros e mortes dos dias de escravidão.

Paradoxalmente, os fantasmas, que insistiam em retornar, eram o que mais se pareciam com a danada da realidade. Nós brasileiros andamos mesmo perseguidos pelo nosso passado, e nos dedicando, ainda, à tarefa de expulsar fantasmas que, teimosos, continuam a assombrar.